São dois olhares a conduzir o longa venezuelano Pelo Malo, estreia desta quinta-feira na Sala de Cinema Ulysses Geremia. Há uma perspectiva infantil, esperançada e confiante de que muitas coisas poderiam se resolver com uma simples mudança no visual; e há uma perspectiva brutalmente amarga, adulta, de quem mata um leão por dia tentando sobreviver. O filme cruza esses dois horizontes e reúne os pequenos sabores e os infinitos conflitos de cada um deles para revelar um sensível retrato da relação entre mãe e filho. Nesse entre meio, versa também sobre relações de poder e discriminação (social, racial, sexual).
Escrito e dirigido por Mariana Rondón, o longa acompanha Júnior, nove anos, cuja maior preocupação é arrumar um jeito de alisar o cabelo para se parecer com os artistas que acompanha na tevê e ficar bonito na foto exigida pela matrícula escolar. Ele mora num conjunto habitacional popular de Caracas, com o irmão bebê e a mãe desempregada e viúva, Marta. A família vive em constante repressão, relação bem política que a cineasta faz com a situação do próprio país. Vivendo na margem social, não há como ter autonomia, sequer sobre o próprio corpo ou cabelo.
Marta é uma personagem masculinizada em vários aspectos, principalmente na maneira intolerante como recebe as primeiras manifestações da sexualidade do filho. Porém, é mãe e sua dor fica explícita na pergunta a um pediatra sobre a condição de Júnior: "ele vai sofrer na vida, não é?". Ao espectador, transparecem o jeito intransigente e áspero da mulher, mas Júnior enxerga a mãe com beleza, e está constantemente a observando com certa admiração. Marta, por outro lado, olha para o filho como um problema que precisa ser resolvido.
O cabelo ruim do título - que por sorte foi mantido no idioma original - surge como uma metáfora sobre a imposição do mundo em arrumar o que está "errado". Pelo Malo é violento pela abordagem realista que o define. A diretora Mariana Rondón chegou a dizer que o filme salienta "a violência das coisas íntimas, a violência ao mais profundo da alma". Nenhuma definição cairia melhor a seu filme.
Mas Pelo Malo tem também momentos de acalento. Para Júnior, está no sol que alcança o rosto por entre os prédios, na dança divertida com a avó ou na brincadeira de descobrir o que os vizinhos estão a fazer em suas claustrofóbicas sacadas. Para Marta, surge de forma mais desesperada, no sexo que traz segundos de conforto. Ao espectador, sobram as atuações magistrais da dupla de protagonistas (Samantha Castillo e Samuel Lange Zambrano), e a reflexão iminente sobre as diferenças.
Cinema
Pelo Malo estreia nesta quinta, em Caxias
Drama venezuelano terá sessões até domingo, na Sala de Cinema Ulysses Geremia
Siliane Vieira
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