Dia desses acordei meia hora antes do despertador. Acordei na penumbra do amanhecer, sem sono, sem sonhos. A mulher que dormiu cheia de quereres, acordou sem bulhufas de vontade de existir.
Estática, ali, a cortejar uma tristezinha fundamentada sobre a nada-mole-vida do adulto mediano, sendo mulher-trabalhadora-mãe-solo que não tem outra opção a não ser seguir. Estática, cabeça no travesseiro, sem ânimo para se erguer, apreciar um café e contemplar o dia que chegava. Me pus a mirar o teto e só. Ele, branco, opaco, uniforme, parecia o céu das coisas bestas que habitavam o transe da minh’alma.
Tive meia hora de inexistência apática para refletir. Não sei bem quais rodilhas rodeavam meus pensamentos, parecia um carrossel sem luz, sem música, sem risos de criança. Eu tive meia hora de giro sem graça, nada mais.
Nessas horas de inconsistência do existir tudo é nebuloso, tipo uma noite de sábado com chuva pouca, onde a gente não sabe se fica em casa ou se lança à aventura e ganha às ruas no risco de uma tempestade destemperada nos catar no dobrar da esquina. Daí, a gente fica ali esperando sem esperar, aguardando um sei lá o quê cair do céu, implorando para que não seja mais água.
O despertador grita, num de repente que eu esperava. Mas, por ser eu uma criatura que acumula sono há anos, sempre há mais um tempo para a sonequinha da enrolação. Ao grito dele, respondo com silêncio e um gesto lento para desligá-lo e dou sequência à minha desesperança.
Começo a pontuar minha vida. Miro minha rotina e me dou conta de que pelas próximas 17 horas, ao menos, estarei em atividade. Solto um murmuro de agonia involuntário. E, como um raio que parte uma árvore ao meio, me lembro que estou em transição profissional, o que exige de mim mais foco e motivação do que qualquer outro momento por mim já vivido, tenho vontade de gritar igual o despertador.
Minutos se passam e o alarme soa novamente. Dessa vez ele parece choroso, sinto até pena dele. Trago à mente que preciso levar minha filha à escola. Recordo que sou mãe de alguém, me sinto desamparada. Levanto e vou me esgueirando pelo quarto. Caminho com pouco foco, mas firma na missão.
Enquanto meu espírito carrega meu corpo para um banho-detox, me vem à retina o rosto da minha cria, me faço resiliente. Tenho que ir, tenho o dever, tenho que seguir. Sigo!
Sabe, viver ultrapassa os dias onde cada fibra do seu corpo está pulsando por mais e mais. Viver se sobrepõe aos dias ensolarados, onde tudo é possibilidade. É preciso que tenhamos ciência de que viver também é suportar os dias em que você só precisa levantar e andar.
Afinal, não é uma vida ruim, é só um dia ruim. Sempre haverá um amanhã!
Essa é minha última carta de amor. Pelo menos até amanhã, quando eu acordar te amando mais que hoje. Sabe, uma poetiza não deveria ter licença para amar alguém, pelo menos não assim. Não nessa imensidão. Não dentro desse sossego, não dentro dessa jovialidade. Quando somos tomadas.
Era um tempo passado, eu tinha mais colágeno e menos juízo. Dotada de muito mais ideais e muito menos sono.