Hoje o sol brilhou estranhamente pela mesma fresta da janela de sempre. Ele queria ser visto por mim, queria me contar um segredo de novo dia, novos tempos, creio. Geralmente eu nem o percebo, cerro os olhos e o deixo brilhar sozinho lá fora. Mas hoje eu o vi. Aquele brilho de vida que chega fez tanto sentido que, diferentemente dos dias que se foram no meu passado recente, tive vontade de ignorá-lo e seguir na cama, pois sei que ele sabe da minha real necessidade: dormir mais 10 minutos ou mais 10 horas.
Interpretar o raio de sol que penetra às frestas da cortina vagabunda do meu quarto deve parecer devaneio, mas se Olavo Bilac entendia as estrelas, eu posso muito bem estender meu diálogo ao grande astro e dar-lhe a importância que eu achar devida.
Enfim, sei que me permiti dormir meia hora a mais nessa manhã, o sol me deu permissão e quem brilhou depois fui eu. Resplandeci em leveza e possibilidades de existir. Um tanto mais descansada, restartei o jogo, zerei a vida hoje cedo. Saí cintilante rua afora, com uma música na cabeça e boas ideias.
Só quem já sorriu sem motivos aparentes sabe a delícia que é pertencer ao seu próprio corpo. Um corpo coberto de esperança, calcado na fé de que o futuro existe e é um bom lugar para se estar. Foi dotada dessa sensação de plenitude que levantei da cama nesse dia comum.
Esse sentir vem da superação. Vêm das noites que passei acordada com dores emocionais oriundas de todo tipo de desajuste, das saudades incalculáveis do que nunca poderia ter e dos medos paralisantes. Posso não saber nomear exatamente causa para sorrisos livres que brotam espontaneamente da minha boca agora, mas sei da estrada que trilhei para que eles surgissem.
O sol brilhou para mim hoje pois eu já consigo ver luz, minhas retinas acertaram o prisma das cores, conseguem discernir cada nuance e entendem que aquele tempo nublado não existe mais dentro de mim.
O sol brilhou para mim pois já sei valorizar seu calor. Foi tão longo o último inverno, eu não sabia me agasalhar, sofri com o frio que penetrou cada camada da minha pele, adentrou à minh'alma e fez morada por um bom tempo.
Tenho ciência que a vida é dura. Viver exige muito de nós. Se relacionar com as pessoas e com as coisas que estão aí para nós é uma missão complexa de executar, no entanto é isso que é ser gente. Eu não fujo da minha missão, mas confesso que, por vezes, ela me destroça, me deixa um tanto desesperançosa devido à dureza da luta.
Mas, eis que num dia comum um raio de sol ousado atravessa a barreira da cortina e vem encontrar sua retina com um longo bom dia, num grito agudo te diz para ir viver. O que se faz ao ter a percepção desse recado? Eu recebi a mensagem, internalizei a vida ofertada, abri a janela e ganhei o futuro.