Na faculdade de jornalismo, Raquel sempre foi a mais bonita de nós. Comprovadamente, sim. Era o melhor sorriso, a melhor pele, o corpo mais proporcional. Proporcionalmente gordo, sim. E lindo! Eu olhava para ela e admirava o quanto seu todo era perfeito. Pernas, bunda, cintura e seios. Tudo acomodado perfeitamente sob um espírito fortíssimo.
Mas, infelizmente, o mundo não a via com meus olhos. Apesar de toda essa simetria invejável que ela carregava, o tamanho grande de suas formas incomodava muitas pessoas. Eu entendia o porquê, sabia o que era gordofobia, só não entendia como os outros não enxergavam beleza ali.
Conversando dias desses com ela, pedi que me explicasse, da sua ótica, do mais profundo da sua realidade, o que era ser uma mulher gorda. Como sempre, gentilmente, ela me explicou: “ser uma mulher gorda ainda é um processo de entendimento muito duro. Até eu conseguir entrar na faculdade, aos 28 anos, eu vivia uma relação de negacionismo, ódio e abuso com meu corpo. Eu negava o meu biótipo e tentava diminuir meu corpo largo para caber nos estreitos limites impostos pelos padrões sociais.”
Confesso que doeu muito ouvir isso. Saber como Raquel e tantas outras foram – e são – maltratadas, diminuídas, machucadas por uma sociedade cruel que nos quer encarceradas num modo de vida inalcançável me fez sentir raiva. Daí, lembrei que quando eu estava brava, era ela quem me acalmava.
Quando conheci Raquel ela me mostrou o universo, abriu inúmeras portas de sensibilidade dentro de mim e me deu quase tanto colo quanto a minha mãe. Me entregou até o que ela não tinha: autoestima. Ela sempre estava ali a me dizer o quanto eu era especial, bonita e inteligente. E dizia com tanta verdade que eu acreditei.
Busquei fazer por ela o mesmo, dar a ela esse presente supremo que é o espelho límpido o qual nos mostra o quão somos maravilhosas, dentro da pele que vestimos, independentemente de como seja essa véstia.
“Cheguei na faculdade arrasada, autoestima lá embaixo. Daí conheci mulheres empoderadas, lindas, livres e me inspirei. Dois estágios, seis ônibus por dia, matérias da faculdade, pensei: dane-se meu corpo, já tenho preocupações demais. E tentei, e tento, desde então, me amar como sou todos os dias”, ela me disse rememorando a vida a qual compartilhamos fraternalmente a tempos atrás e que mudou a vida de todas nós.
O tempo passou e eu fico extasiada ao assistir a ela se reconhecendo, se amando e falando disso:“ aos 38 anos, eu realmente acredito na minha beleza, sou linda como sou e nada e nem ninguém vai me dizer o contrário. Minha pele tá bonita, eu sou uma mulher gorda saudável e feliz”.
Ao escrever esse texto, mergulhei num oceano de dor, raiva e amor, mas o que imperou foi a gratidão por ter tido a sorte de conviver com essa mulher superior, que posso, com certeza, chamar de minha amiga para toda a vida.
Essa é a Raquel, uma jornalista impecável, premiada. Essa é a Raquel, uma mulher belíssima, atraente, brilhante como o sol do meio- dia no céu de Brasília.