Todo dia, santo ou não, nós, mulheres, temos que lidar com o machismo. Todo dia! Ele tá na mídia, tá na rua, tá no nosso ambiente de trabalho, tá no termômetro que mede o quanto podemos ser livres, tá no comprimento da nossa saia, tá na maquiagem que usamos, e, muitas vezes, tá dormindo na cama com a gente. O desconforto é contínuo e constante. Eu vivo a me perguntar: até quando?
É uma novela sem fim, tem mais episódios que Os Simpsons e o roteirista não para de escrever. Um capítulo novo é o caso do ator, diretor e produtor Marcius Melhem. Enquanto dirigia a nova versão do programa humorístico Zorra, se achava no direito de assediar moral e sexualmente suas colegas de trabalho. Possivelmente ele já era um assediador, mas, cá entre nós, o poder lhe deu coragem para intensificar suas práticas horrendas, não?
Dani Calabresa, principal vítima de Melhem e, também, primeira a denunciar seus crimes, lutou bravamente quando nem forças tinha. Estava tomada pelo medo de se prejudicar profissionalmente e traumatizada pelas constantes e aterrorizadoras cenas de desrespeito e manipulação. Imagino que ela, ao olhar para o futuro, sabendo que teria que conviver com esse fato pelo resto de sua vida, tomou posição e denunciou. Quando uma mulher é vítima de abuso sexual, primeiro ela tem que lidar com o julgamento do mundo, depois lutar contra o agressor. Lamentável, mas é a realidade.
Naturalmente, como é de se esperar de uma sociedade patriarcal pilarizada no bem viver do homem, ela foi desacreditada. Mas, sem grandes dificuldades, provou que ele é um criminoso. Depois dela, outras vítimas surgiram, como era de se esperar, também. É que uma sobe e levanta a outra, uma se fortalece, outras tantas ficam fortes no mesmo movimento. Ainda bem que descobrimos essa fórmula que nos liberta um pouquinho a cada dia.
O caso de Melhem não é novidade, quantos homens na mesma posição que a dele, usaram seus poderes para abusar de mulheres? Incontáveis. Mas esse caso, pela relevância midiática alcançada e por envolver figuras públicas, deve ser exemplar. No frigir dos ovos, ele foi afastado da emissora, perdeu seu cargo e a credibilidade, e, espero eu, que ele amargue uns bons anos na cadeia.
Tristemente é fácil constatar que no Brasil o machismo ainda impera no que tange à sexualidade das mulheres. Nosso sentir sexual é vigiado a todo instante. Ao passo que a sociedade conservadora nos quer imaculadas, quando rejeitamos as investidas de um homem somos desacreditadas: ela queria, estava se insinuando, bebeu demais, mas com aquela roupa… Chega!!! Em definitivo, as múltiplas faces da violência só têm a ver com o agressor, com quem ele é, seus desejos sombrios. A vítima é só a ordem do dia, é quem estava ali.
Violências sexuais são construídas. O fiu-fiu na rua, a encoxada no ônibus e a perseguição na balada são atitudes graves que levam a outras mais graves. Nenhum homem nasce estuprador, é bom que tenhamos ciência disso. Mas para virar um, basta um passo.