Passei a vida inteira tentando salvar o mundo. Hoje, quando penso naquela criatura que fui, tão aguerrida, lembro com saudade da energia de transformação que emanava do meu ser. Ao mesmo passo, com penar, lembro do meu corpo e meu emocional definhando, dia após dia. Estava ali, no fronte, desarmada, pronta pra batalha sem treinamento algum de guerra.
Não, eu não estou me lamentando pelas as lutas que me foram entregues pela vida, as vitórias e derrotas são minhas. Não, não sou uma egoísta ególatra, pelo contrário: meu senso de comunidade e minha experiência dizem que é impossível salvar o outro sem antes salvar a si.
Se não sei nadar, como posso salvar quem se afoga?
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Quase não sobrevivi aos anos que me debrucei e vivi pelo outro e, nesta possibilidade, o outro é conceito amplo: família, relacionamentos, amizades, militâncias. Fui seguindo na labuta, na saga da heroína sem super poderes, cheia de empatia por todos, menos por mim.
E, na guerra, soldado frágil é mais fácil de abater. Fui abatida mais vezes que posso mensurar. Eu caí mais vezes que consegui me levantar. Acabei carregando o fardo da derrota pela vida afora. O carreguei com dor e desequilíbrio até entender que, ou eu me fortalecia, ou dali pra frente só me restariam batalhas que já se iniciariam perdidas.
Como quem desbrava a imensidão do universo e pisa na lua, pousei em mim. Entrei em contato comigo e foi, inicialmente, assustador. Eu nem sabia quem era aquela pessoa, não tinha ideia de quem ela realmente era, lá em suas profundezas.
Resolvi cavar, iniciei a expedição na busca do meu eu. Aparentemente, o poço não tinha fundo, me assustei com o quanto havia enterrado com meus sorrisos nervosos. Creio que gente como eu é construída sobre escombros.
Precisei, naquela época, travar uma batalha épica: a luta pela valorização da minha história, da minha beleza, da minha luz. Para isso, me afastar do outro foi imprescindível. Me ver sem espelhos foi necessário. Ah, os horrores que habitavam meu espírito. Olhei para cada monstro dentro da minha alma. Na hora, susto, depois entendi que tudo aquilo era, também, eu. Meu!
Sabe, o primeiro corte dói mais, o machucado que vem depois cicatriza mais fácil. Não poupei dor, deixei sangrar até enxergar minha humanidade. Vi que minha arrogância de apontar o caminho para o outro, estando, eu, perdida, imperava. Sim, somos guerreiros, mas antes disso, humanos. Careci de colo, e, pela primeira vez, fui eu mesma quem me dei.
Passei um tempo vivendo, ora um sonho, ora um pesadelo. Enfim, entendi, estava em processo de cura. Isso envolve tempo e superação. Dias e anos passaram, eis me aqui: forte, no fronte. Preparada para grandes batalhas, consciente das guerras as quais assumo. Conseguindo discernir minhas fragilidades, sabendo que há em mim uma luz que pulsa, um ser que pensa, que ama e, que, como todos, ilumina o cosmo.
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