O meu jogo favorito de infância era “Detetive”. No tabuleiro, todos os cômodos de uma mansão que serviu de cenário para um assassinato. Em volta, os peões precisavam defender-se e acusar-se, com o objetivo de encontrar o culpado pelo crime, bem como o local e arma utilizada. Era costume meu escolher ser o Capitão Mostarda e apontar a Senhorita Rosa na sala de estar com o castiçal, mas nem sempre eu estava certo. Tal infância enveredada por jogos e livros de mistério me transformou em um adulto questionador: em qualquer que seja o caso, de quem é a culpa? E, o mais importante que nunca era respondido, o que levou o suspeito a cometer tal crime?
A última semana começou com uma notícia desconcertante logo nas primeiras horas da manhã. Em uma escola de São Paulo, um garoto de apenas 13 anos tirou a vida de uma professora de 71. Além dos colegas feridos e de outros tantos aterrorizados, o atentado trouxe à tona alguns gatilhos adormecidos. De imediato, o medo e indignação tomou conta dos pais e estudantes de outros lugares do país, e o que parecia ser o momento ideal para levantar debates e construções sobre o assunto já parece ter amornado. No dia seguinte, o efeito copia e cola: foi a vez de uma escola do Rio de Janeiro testemunhar um estudante que tentou aplicar golpes de faca dentro da sala de aula. Por fim, a questão mais levantada – ao menos nas redes sociais – foi uma só: em casos como este, quem é o verdadeiro culpado?
Teve quem disse que a culpa era exclusivamente do menino, é claro. Para estes, a sua pouca idade não serviria de impedimento para arcar com as consequências do ato. Do outro lado, alguns preferiram destinar a culpa aos pais. A ausência foi uma palavra que apareceu em diversos comentários, e teve até quem destacou um desabafo do garoto nas redes sociais onde reclamava sobre as atitudes negativas do pai com a mãe. Um terceiro lado foi sustentado por quem culpabilizou o sistema como um todo, mas teve ainda quem preferiu colocar na conta da escola e alguns outros na conta do governo. Ufa!
Caso seja a minha vez de palpitar, escolho assumir a culpa ao falar por todos nós, sociedade. Investindo na escola não solucionamos o problema – não só. Instruir adolescentes com palestras e exemplos de nada adianta se não sensibilizarmos os pais. Assim como não haverá melhora efetiva se a política não abraçar o assunto como realmente se faz necessário. Como diz uma frase rabiscada em um muro da cidade: “existe um mundo melhor, mas ele é caríssimo”.
É definitivamente impossível concluir “Detetive” sem encontrar um culpado. Já na vida fora do tabuleiro, não se conclui um caso se o que tivermos em mãos for apenas o nome do assassino. Talvez estejamos partindo do ponto errado: é preciso olhar para a motivação antes de olhar para o fim em si. Se na maioria dos casos os massacres são uma resposta à violência sofrida anteriormente, melhor do que procurar “de quem é a culpa” é descobrir onde, exatamente, está escondida a dor – e aqui falo da dor de cada um envolvido nesse caos.
Certa vez, um famoso diretor de cinema teve ideia para uma estampa de camiseta e resolveu patentear. Nas costas da blusa, ele desenhou uma grade com colunas de números e letras, tal qual um jogo de Batalha Naval. Para ele, a alternativa encontrada facilitaria quando sentisse coceira nas costas e precisasse pedir ajuda. Em vez de guiar o outro de olhos fechados ao dizer “mais para cima”, “mais para baixo”, ele só precisaria de uma instrução assertiva: “você pode coçar minhas costas no quadrado A3, por favor?”.
De fato: só descobrindo onde é que dói para que se possa resolver o problema.