Gilberto Gil é do mundo. Para celebrar seus 80 anos, a se completarem neste dia 26, o artista sairá em turnê por vários países com os filhos e netos que herdaram a genética musical. A preparação dessa turnê, por sua vez, rendeu outra celebração em forma de produto cultural: o reality Em Casa com os Gil, em seis episódios, já no ar pelo Prime Vídeo. A gravação da série envolveu um esquema bem ao gosto do canceriano: a família toda reunida durante dias, tocando e cantando, rememorando histórias e discutindo temas como a ancestralidade negra.
Sim, Gilberto Gil é do mundo. E por isso a série está disponível para todo o planeta. Mas é um presente especialmente para o Brasil, que vê a cada dia sua imagem externa ser manchada por toda sorte de desrespeitos e violências. O recorte da intimidade de um dos nossos mais brilhantes artistas – e um ser humano da melhor qualidade – soa como um contraponto luminoso ao manto de horror que há tempos encobre o país e como um alento de otimismo e paz, seja para nossa autoestima ou para uma esperança de futuro.
Celebrar os 80 anos desse brasileiro deveria ser uma obrigação cívica. Mais ainda neste ano do bicentenário da Independência. Com sua arte, Gil ajudou a revelar a grandeza desse país. Logo nos primeiros anos de carreira, quando o Brasil estava tensionado por visões restritivas do que fosse a cultura nacional, Gil encabeçou, ao lado de Caetano Veloso, o movimento tropicalista, que acolhia todas as vertentes sem nada negar. Entre o respeito às tradições e o viés experimental e inovador, seguiu abrindo criativos caminhos de inclusão. E a cultura de matriz africana ganhou as merecidas luzes como formadora da alma brasileira. Negro Gil fez o povo cantar e dançar o orgulho de ser o que é.
Mas não bastou atuar com as ferramentas transformadoras da arte. O cidadão Gil, sempre antenado, também teve passagem pela política. Foi vereador em Salvador – votei nele em 1988 –, com pautas culturais e ambientais. Depois de receber da Unesco o título de Artista pela Paz, foi ministro da Cultura por cinco anos. E ali fez história. Gil descentralizou a produção cultural, até então hegemônica no eixo Rio-São Paulo, criando políticas de incentivo regionais, como os Pontos de Cultura. O próprio conceito de cultura foi ampliado por ele, abrangendo expressões étnicas e identitárias. E o Brasil ficou maior com o Gil.
Esse sensível canceriano nasceu com o Sol conjunto ao grandioso Júpiter, com a Lua em Sagitário – signo de Júpiter. O entusiasmo do espírito o move, numa busca sempre generosa e otimista. “Eu vim para animar”, já disse ele. E cantou que é preciso “andar com fé”, porque “se Deus quiser, tudo, tudo, tudo vai dar pé”. E filosofou como poucos em suas canções. Dos Retiros Espirituais a Não Tenho Medo da Morte, nos traduziu temas complexos, juntando arte e ciência, sem perder a comunicação com o popular. Gil louvou o que bem merece – e jogou purpurina em nossas cabeças.
Com o ascendente em Libra, ele jamais abriu mão da elegância e do respeito, mesmo quando crítico e contundente. Gil é afável e amável. É Buda nagô e sábio Preto Velho. Gil é “aquele abraço” a todo povo brasileiro. E pelo que aprendi com ele, só peço ao Tempo Rei que, transcorrendo e transformando, lave do meu país o ódio que nos desune e nos impede de assumir nossa autêntica força. Porque um país que gerou Gilberto Gil não pode ficar assim, sombrio e desanimado. “Ê, povo, ê, povo, ê / Desabafa o coração”.