“É a promessa de vida no teu coração”, diz a canção antes aqui citada sobre as águas de março que fecham o verão. No ciclo anual mais imediato da vida, pontuado pelo movimento da Terra em torno do Sol, as estações demarcam pontos de mudança de energia. Assim, após a etapa de dissoluções do aquoso Peixes – o último signo, “o fim do caminho” –, vem o fogo de Áries com seu impulso criador para começar tudo de novo. “É a luz da manhã, é o tijolo chegando”. A letra de Tom Jobim é genial, ao ilustrar na cultura brasileira esse processo cósmico de renovação. Áries “é a lenha, é o dia”, é a vontade de viver. Abre uma nova estação, o outono sulino, e abre junto um novo ano astrológico, neste domingo, às 12h33min.
Desde a irradiação da pandemia, em 2020, sob o pesado aspecto da conjunção sempre restritiva entre Saturno e Plutão, a morte e a negação da vida desabaram com sombras funestas sobre o mundo. Como celebrar o renascer da vida, a cada equinócio de Áries, se a realidade parecia negar isso? E o desalento foi ficando crônico, o cansaço foi se adensando em revolta, e a raiva da impotência verteu-se em imprudência e negação. Que duro aprendizado para a energia de Áries! Muito embora sua vibração intrépida conduza a ações ousadas e arriscadas no sentido de avançar sobre o que a limita, havia então um estranho inimigo – tão diminuto quanto atroz – que parecia invencível com suas metamorfoses. Imagine a reação de um guerreiro ariano forçado a ouvir a voz da prudência repetir: apenas espere, espere, espere...
E é nesse estado de coisas, entre o cuidado e a ânsia por viver e por retomar o que antes esteve interditado, que a força ariana vem outra vez nos encontrar. Ah, mas agora saiam da frente, por favor, que temos pressa de viver, amar, ser e acontecer. Áries simboliza o herói mítico e sua capacidade de ir além dos limites estabelecidos. Áries não aceita nãos: é preciso ao menos tentar vencer o supostamente impossível. Mas, se essa audácia é a grande dádiva ariana, também é o que pode provocar a derrota do herói. Apesar de uma vontade tamanha e de uma força sempre a se ampliar, há que se cuidar das desmedidas.
Os gregos chamavam de hybris, ou húbris, o imperdoável pecado da confiança excessiva. Saber distinguir ousadia de arrogância é o limite tênue entre bênção e maldição. Os antigos deuses puniam exemplarmente os humanos que se arvoraram a ser mais do que podiam. Os sofrimentos do herói Ulisses, na volta da Guerra de Tróia, são os mais conhecidos exemplos de castigos contra a arrogância humana. Foram dez anos de infortúnios, navegando em mares adversos, sob a ira de Poseidon (o Netuno romano), até que o herói conhecido pela astúcia se rendesse à humildade de reconhecer os imperativos maiores.
Como o céu simboliza o arranjo das forças cósmicas que chamamos arquétipos, devemos observar, neste limiar de um novo ciclo de vida anunciado por Áries, que ainda há muito o que considerar e aprender antes de decretar os devidos recomeços. No signo anterior, Peixes, os planetas Netuno (olha ele aí, o vingativo Poseidon!) e Júpiter se alinham. Sem o tributo da compaixão e da entrega aos deveres coletivos, as bem-intencionadas ações arianas soarão individualistas e egocêntricas – a um passo, portanto, da perigosa arrogância.
Precisamos refletir muito sobre as duras experiências dos últimos anos, transformando-as em aprendizados. A vida segue, e Áries vem mostrar isso. Mas a escolha é nossa entre guiar-se pela sabedoria ou pela vaidosa estupidez.