Bate outra vez com esperanças o meu coração, pois vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação. Diante da janela aberta, as narinas já ardem de leve ao frio ar serrano, impregnado do aroma fresco dos pinheiros e de nuances tantas das fumaças nas chaminés. A memória olfativa reconhece esses avisos de mais um inverno chegando ao sul do planeta. Nesta segunda-feira, à 0h32min, enquanto o Sol adentra o céu do caranguejo, descortina-se a noite mais longa do ano no solstício de inverno. Mas não tema, gente amiga cansada de escuridões, porque o signo de Câncer chega para rimar alento com alimento.
Se o Sol foi brilhar intensamente no verão do norte, deixando o sul no cinza invernal, é porque chegou a nossa vez de vivenciar outra qualidade de luz e calor: aquela que vem de dentro do ser. Câncer simboliza esse nosso mundo tão interior quanto secreto. É a morada da alma, o lar da Lua e das memórias e emoções. É a casa real e simbólica. E não é de hoje que tudo conspira para nos trazer para dentro dela, qual antídoto contra um modelo de vida que por demais se tornou externo e material.
Sim, há tempos viramos meras representações sociais cristalizadas sobre posses e conquistas. Fomos endurecendo, ao sabor dessa vida imposta, e fomos perdendo a capacidade de sentir e de criar vínculos. Desaprendemos o que fosse cuidado e afeto, nessa era em que se diz que tudo é líquido e fugaz. A regra do mercado de emoções e atitudes dita: se para sempre tudo acaba, então que nada seja para sempre; que tudo seja para já, até o próximo estímulo, pois o melhor foi feito no futuro. Ai, ai, gente amiga: isso é o oposto do que anseia a faceta canceriana em nós. Hoje, separar as carências reais das inventadas é questão de cura.
Neste segundo inverno sob a pandemia, já temos muitas informações sobre nossas mais verdadeiras necessidades. Tivemos que ficar muito mais tempo a sós ou com os mais próximos. Saímos quase nada, vimos pouca gente, consumimos menos, recriamos as rotinas, sofremos um bocado e refletimos muito. Para uns, um tormento; para outros, maturidade e aprofundamento; para todos, um diagnóstico do mundo interior. Embora o sentido maior do que está ocorrendo ainda precise de tempo para se desenhar por completo, é certo que o isolamento social forçado nos tirou do torpor de viver somente para fora.
E outra vez o caranguejo simbólico vem nos guiar para dentro da nossa carapaça. No abrir das cortinas, a desarrumação reinante pode até apavorar, como se prudente fosse deixar tudo na penumbra usual. Mas sossegue, gente amiga, que bagunça de alma é assim mesmo: confundem-se sentimentos difusos e ressentimentos, ansiedades e angústias, controles e submissões, impulsos de rebelião e desvalimentos, surtos e contenções. Humanos são desse jeito, complexos e contraditórios, embora insistam em se escudar em imagens falsamente coesas, coerentes e constantes.
Então, no nutriente Sol canceriano que se anuncia, coragem grande é se reconhecer frágil, incompleto e dependente. Pois não é isso que nos faz animais sociáveis? E se ante um mundo em colapso queremos uma sociedade melhor, como não começar por cuidar das próprias fomes? Como não pedir colo, se preciso for? E como negá-lo a quem precisa? Nada é mais forte que o abraço alentador de almas que se respeitam e se amparam na condição humana. Não é à toa que Câncer é o signo dos nossos vínculos afetivos.
Gente amiga, é tempo de acender a lareira do coração. E que neste inverno só faça frio lá fora.