Por conta da pandemia, a Feira do Livro de Caxias do Sul terminou ocorrendo, com as devidas restrições, sob o céu de Sagitário. Tudo a ver! A tradição astrológica relaciona a esse signo a transmissão do conhecimento, a publicação de livros e a literatura. A flecha simbólica que nos convida a refletir sobre nós mesmos e sobre a vida encontra na literatura um alvo perfeito. Tem sido assim desde que o homem antigo criou a escrita, permitindo registrar no tempo sua história e também seus sonhos. A escrita gerou uma arte tecida de palavras, cuja função social já era apontada pelo filósofo Aristóteles na velha Grécia. Mesmo numa narrativa imaginada, há inspiração para o real, há beleza, há catarses emocionais, há luzes que nos despertam. Com a literatura, voamos mais alto e mais além, no infinito céu azul de Sagitário.
Como sempre estou a ler livros de conteúdos mais informativos, procuro alterná-los com outros ficcionais ou de poesia, para alimentar na mesma medida a razão e a imaginação. No momento, em minha cabeceira, o literário está a cargo do clássico Ilíada, poema de Homero que eu só conhecia de versões reduzidas. É o livro fundador da literatura europeia, datado de 700 a.C. Por que ler um texto tão antigo? Antes de tudo, por ele ter se mantido vivo por tanto tempo, validando-se como arte e como espelho do humano. O conflito de deuses e heróis na Guerra de Troia pode ser somente mito, sem base histórica, mas desnuda nossas questões eternas. E continua nos inspirando. Até na linguagem ele revive, quando dizemos que uma tarefa é “homérica”, que temos um “calcanhar de Aquiles” ou que algo é um “presente de grego”.
Na cultura de massa, cada geração elege também seus clássicos. Quando eu era adolescente, quem quisesse parecer antenado tinha que ler livros como O Lobo da Estepe e Sidarta, de Hermann Hesse, e O Profeta, de Khalil Gibran. Eram autores “cabeças”, que revelavam o sentido maior da vida, embora nos faltasse maturidade para compreender aquelas visões. Anos depois, quando fui sacudido pela potência de Demian, de Hesse, é que também reli, e enfim compreendi, o Sidarta. E redescobri O Profeta não faz muito. A boa literatura jamais se esgota numa primeira leitura. Com o aumento de nossa percepção pelas estradas da vida, reler um livro é como refazer uma viagem com um olhar mais atento. Vemos muito mais. E isso tudo é muito Sagitário!
Ao lembrar desses livros, e por curiosidade astrológica, fui em busca dos mapas natais do alemão Hesse e do libanês Gibran. E olhe essa: ambos tinham Sagitário no ascendente! Hesse tinha o regente Júpiter também aí, no horizonte, enquanto Gibran tinha a Lua. Nasceram para buscar a essência da vida e para partilhar com os outros suas descobertas – ou suas perguntas. E a literatura foi a linguagem perfeita para isso. Como também o foi para a sagitariana Clarice Lispector, que faria 100 anos no próximo dia 10. São autores que se tornaram faróis, sempre a nos iluminar.
Hesse (que Clarice adorava) trouxe para a literatura, como em Demian, conceitos da filosofia de Nietzsche e da psicologia de Jung, ampliando a leitura do mundo. Já Gibran leu a metafísica do homem para além de restritos dogmas religiosos. Veja esse trecho de O Profeta: “Não digais ‘Encontrei a verdade’, mas sim, ‘Encontrei uma verdade’. (...) Pois a alma anda em todos os caminhos”. São “palavras aladas”, para citar uma expressão comum na Ilíada. A literatura nos dá asas. Besteira é não voar com ela, rumo a uma mente mais livre e aberta.