Sem lenço, sem documento, no Sol de quase dezembro, eu vou. A música que ouço soa sincrônica. É uma canção sagitariana, por situar-se no quase dezembro e por querer ir adiante, seguindo a flecha de novos alvos, depois do esvaziamento da fase escorpiônica – nada no bolso ou nas mãos. Aliás, a canção já evoca Sagitário desde o título: Alegria, Alegria. Não sei se pelo atual retorno solar a este signo, mas ando carente demais de alegrias. A alma já não suporta tanto fel, tanto ódio, tanta tristeza que vem escurecendo os dias deste ano tão tenso quanto interminável. Por isso, qualquer contentamento é balsâmico.
Mas sei que o céu não está para pássaro. E que o chumbo grosso da conjunção rara entre Júpiter, Saturno e Plutão é assim mesmo: nos comprime ao extremo, feito uma mola, com a pressão do que urge encarar e resolver. Sofremos sob o peso de dívidas e omissões em escala global. Mas cadê a hora de essa mola saltar? Ô, Plutão, aonde é o fim desse poço? Saturno, tudo tem limite – até tuas limitações! E ô, Júpiter, chegamos a Sagitário, teu signo, te apressa em mostrar algum horizonte! Tem horas assim, de desatino, em que dá vontade de pôr as mãos na cintura, olhar para cima, enfrentativo, e dar um esbregue nas forças que chamamos de deuses, planetas, sei lá. Caramba, tenham dó!
Voltando à razão, já falei que esse céu tormentoso há de logo clarear, nos relâmpagos e trovões de 2021, mas ainda estamos longe do azul. Júpiter recém abraçou Plutão, sob o olhar severo de Saturno. Foi o terceiro e último abraço do deus dos céus ao deus dos infernos em 2020, numa despedida cheia de promessas e cobranças, até o próximo encontro, em 2033. Júpiter rege os aprendizados, a justiça e os valores com que uma sociedade funciona. É por aí que temos muito o que fazer. Lições que envolvem destruir preconceitos e examinar os conteúdos escuros de Plutão.
Na sincronicidade com que os deuses às vezes parecem falar conosco, a canção que agora toca, Balada do Lado Sem Luz, de Gilberto Gil, me clareia as ideias. Ela bem traduz esse encontro de Júpiter e Plutão, em que a luz precisa alumiar as sombras para transformá-las – e a luz ficar ainda maior. Começa assim: “Hoje eu canto a balada do lado sem luz / Subterrâneos gelados do eterno esperar / Pelo amor, pelo pão, pela libertação”. Gil nasceu com o Sol conjunto a Júpiter, e a Lua em Sagitário. É um mestre. E diz que precisamos cantar – isto é: gritar com, lutar por, defender – os que estão à margem da vida e das estruturas criadas.
Segue a canção: “Hoje eu canto a balada do lado sem luz / A quem não foi permitido viver feliz e cantar como eu”. Aqui a sagitariana flecha aponta: quem tem voz, precisa falar por quem não a tem. A justiça deve chegar a todos. E também a alegria. Está na letra: “Ouça aquele que vive do lado sem luz / O meu canto é a confirmação da promessa que diz / Que haverá esperança enquanto houver um canto mais feliz”. Pois bem, sem atenção aos sem luz da sociedade – a imensa maioria pobre, negros, índios, mulheres, tantas minorias e gente silenciada – nenhuma paz e nenhuma alegria serão possíveis.
Que a pressão deste ano nos desperte e nos una. Que a opressão nos faça cantar. Como Belchior, que também nasceu com o Sol conjunto a Júpiter, no signo de Plutão: “Eu era alegre como um rio / (...) Mas veio o tempo negro, e a força fez comigo / O mal que a força sempre faz / Não sou feliz, mas não sou mudo / Hoje eu canto muito mais”.
Pronto. A lição sabemos de cor, só nos resta aprender.