Não. Não faz sentido nenhum. Eu sei. Volta e meia o assunto volta. E retorna. Mesmo que atravessado. Entorpece as vísceras. Mas não sangra, né? Não. Uma vez só. Mas ninguém viu.
Ontem, entre o sonho e a perturbação do sono, um anjo torto me xingou, reclamou da vida em sonetos. “Tá, tá, cai fora!”, desdenhei. E talvez nem tenha sido assim. Talvez eu não tenha sido tão suave. Mas é como lembro agora, entre o torpor e a letargia.
Então, é sobre isso? Não faz nenhum sentido. Será que não? Serve de quê pensar se faz ou não sentido? Sei lá. Só acho estranho. Estranho é verter fuligem, sorrir com máscara de ferro, lavar pratos limpos... Ou tapar o sol com a peneira. Risos. Sem graça.
Diz aí, tu que já foste vegano, traçaste planos revelados pelo tarô, entre búzios e mapas astrais, o negócio é relativizar o passado ou tragar o futuro? Talvez os dois. Por que sempre esse “talvez”? Nem sempre. Sempre que te pergunto se faz ou deixa de fazer sentido alguma coisa, tu respondes com a p* de um talvez. Nem sempre. Debochado.
Ver. Ver-te. Verter. Tá maluco? Se eu escrevesse faria sentido? Desde quando a saída é fazer poema, versar pra sair do xeque? Mate! Verte, então. Quer ver? Quero ver-te verter, sim. Pra derramar é preciso estar cheio de alguma coisa. Transborda, então! Copo vazio não transborda. Garçom, a saideira.
Esse anjo torto não é cria do Quintana? Não, do Drummond: “Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida”.
Pra quem estava até a pouco rindo da minha cara, debochando, porque, como tu disse, eu estava “versando pra sair do xeque”... Desconhecia essa tua verve, poética. Patético. Pélvico? Risos. Para! Risos. Gargalhadas.
Tu adoras brincar quando o assunto é sério. Nem sempre. Sempre. Verte, meu amor?: “Ivo viu a uva!” Hahahaha. É sério, para! Ver-te sorrir é o que me faz verter. Então verte. Deixa transbordar.
Sonho, vertigem, loucura? Pare de expor as ranhuras. Deixe a tessitura entorpecer as fissuras da alma. Deixe o som do “eu te amo” ferver por tuas entranhas. “Eu - te - amo”. Dito assim, olhos no olhos, em câmera lenta. Como se ricocheteasse dentro de ti. Imparável, como um guri pulando numa cama elástica. Incansável, rindo, sentindo a leveza do corpo num voo pleno, doce e suave. Amo esse teu jeito de ver a vida com doçura, como se... Como se o quê, meu amor?
Como se a vida fosse um morango? Hahahahaha. Isso! A vida não é um morango. Só se fossem morangos mofados. Morangos mofados... Como no livro do Caio.
Debruçados no terraço, amanhecia.
Existiríamos fora dos livros do Caio? Talvez.