O tempo que o tempo tem. Simbólico e relativo. Atávico, por vezes oblíquo. Sádico. Ou ainda, apático. Tem até o dia fora do tempo pra recolocar as coisas no prumo.
Uma hora, sob sol escaldante, à espera de um ônibus tardio, não é a mesma hora de um casal fazendo o que seus corpos comportam, entre afagos e carinhos, esquecendo até de ver a banda passar. Da mesma forma que seis horas de parto, contorcendo-se em dor, xingando até a terceira geração do rebento que teima não vir à luz, não são as mesmas seis horas de um grupo de crianças brincando entre a montanha-russa e um sem fim de atrações de um parque de diversões.
Abre nesta quinta-feira (3) a exposição Retratos, na Galeria Gerd Bornheim. Um retrato não é só a fotografia de alguém. É a cristalização do tempo. Instante perfeito? Nem sempre, por vezes é o instante imperfeito, porque foi aquele tempo que o retratado deu ao fotógrafo. Nenhum segundo antes, nenhum segundo depois. E aquele instante nunca mais se repetirá. Nem mesmo dentro de um estúdio, onde a luz é controlada. Será?
Em todo tempo, através dos tempos tem sempre alguém num laboratório tentando criar a semente que germina mais rápido e com robustez, que resiste mais as intempéries do clima, que frutifica em proporção dobrada e, se possível, em todas as estações do ano.
Quem reclama da falta de tempo deveria comprar um Jesko Absolut da Koenigsegg. Não, não é uma máquina do tempo, mas os engenheiros que criaram o carro prometem te levar daqui pra lá no menor tempo possível. Desembolsando 2,8 milhões de dólares, o motorista pode atravessar o tempo à velocidade de 531 km/h. Desse jeito faz mais sentido um bate e volta a Areias Brancas.
Dizem que tempo é dinheiro. Não somos contratados numa firma porque gostaram do que leram no currículo, que tenta descrever habilidades, conhecimentos e capacidades. Fechamos o contrato com uma firma porque ajustamos a relação tempo/dinheiro. A jornada de trabalho é mensurada pela proporção do tempo que eu tô disposto a dar, em troca do dinheiro que a firma está disposta a me dar.
Feliz mesmo era o Tarkovski, cineasta russo que ambicionava “esculpir o tempo”, que é inclusive o título de um livro seu. Entre outras coisas, escreveu: “A imagem não é certo significado expresso pelo diretor, mas um mundo inteiro refletido como que numa gota d’água”. E quanto tempo leva pro espectador se dar conta desse truque? Se esculpir é dar forma, Tarkovski foi o cineasta que se dedicou arduamente a “possibilidade de imprimir em celuloide a realidade do tempo”. E cabe o tempo no tempo que o filme tem?
Raduan Nassar, em Lavoura Arcaica, versa em prosa: “Embora, inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento. Sem medida que eu conheça, o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza”. Simbólico e relativo. Atávico, por vezes oblíquo. Sádico. Ou ainda apático.
Numa era em que as redes sociais raptam o nosso tempo, lacrar a tela do celular é preciso. Não aprendi ainda a resgatar o tempo roubado, mas encarar uma jornada entre livros é uma forma de isolar-se desse tempo que corrói os calcanhares.
E como ensina Raduan, “só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas”.