Pensadora de cenários futuros e fundadora do Voicers, Ligia Zotini estará nesta terça-feira (29) no Centro Empresarial de Flores da Cunha para abordar as tendências que estão moldando a nova força de trabalho e de consumo. Ela irá apresentar, a partir das 19h30min, o estudo Novos Humanos, tratando das transições entre diferentes gerações.
Ligia conversou com a coluna e destacou aspectos importantes deste novo momento e como lidar com as mudanças.
Quais as principais características das novas gerações?
A Geração Z tem hoje entre 12 e 27 anos. Alguns já estão ingressados no mercado de trabalho há quase uma década. É desse recorte de geração que vamos trabalhar e tratar no estudo Novos Humanos. A geração depois deles é a Alfa, todos os nascidos a partir de 2010 e estão com 14 e 15 anos. Desse ponto, quando falamos da Geração Z, além do que conseguimos capturar enquanto observável das mídias, é uma geração que está buscando outras identidades não só de trabalho. Isso pode ser entendido de uma forma preconceituosa ou com algum viés do tipo "ah, eles não querem, não têm comprometimento e engajamento, não querem trabalhar". O que percebemos é que como foram criados numa narrativa onde eles têm muito acesso ao digital e, ao mesmo tempo, têm uma potência do processo de acesso ao conhecimento, eles sabem o que querem, são múltiplos talentos. Chamamos de carreira / (barra): sou isso / aquilo e não quero só viver do trabalho. O que, de um ponto de vista um pouco antagônico, é saudável, porque as máquinas estão vindo, a inteligência artificial fará boa parte do trabalho intelectual repetido que temos hoje, as automações farão boa parte do trabalho que a gente faz hoje com a força física humana. Ao mesmo tempo, outras tecnologias como blockchain, realidade imersiva e nanosensores irão facilitar muito o que hoje a gente entende como trabalho de oito horas por dia, cinco dias por semana. A capacidade que eles trazem de nos trazer desconforto, de falarem "olha, não sou só trabalho", é um lugar que a gente pode olhar também e falar "poxa, acho que tem algo aí para a gente observar". Outra coisa que eles são muito característicos é que são ativistas nas mais diversas linhas, seja de diversidade, ecologia, ecossistemas. Nesse ativismo, eles demonstram que compram, trocam, buscam relações, inclusive de trabalho, baseado nos seus valores mais importantes. Se a sua marca não traduz aquele valor, provavelmente ele não será nem candidato ao trabalho nem candidato ao consumo. Por ora, isso fica muito na linha do idealismo, porque o que observamos em alguns movimentos é que eles querem muito a economia circular, aquilo que é reutilizável, mas essas coisas ainda são caras. O que acaba acontecendo é que se compra através dos sites internacionais, porque é mais acessível. Eles ainda não têm o poder financeiro para avalizar toda essa narrativa idealista. Mas eles vão chegar lá e quando chegarem será que estaremos preparados enquanto marca?
O que não funciona com a nova geração no ambiente de trabalho?
O que a gente vem observando ainda é bastante interessante dos movimentos, porque, ao passo que algumas empresas falam que eles não se engajam, a gente vê em algumas empresas que o engajamento é proporcional à capacidade da empresa ou do líder de explicar qual é a visão da empresa e fazer com que aquele sonho, aquela meta inspiracional do negócio também se torne uma meta para aquele colaborador. Uma vez que a gente consegue dessa geração a compra da ideia, do sonho, da missão, do objetivo, eles são altamente engajados e são bem preparados, porque chegam muito digitais. Eles são muito rápidos na capacidade de conexão. Talvez eles não tenham a profundidade do assunto, mas isso é inerente a qualquer jovem de qualquer geração. É para isso que os mais experientes estão sempre ao lado deles década após década, geração após geração. Mas, de uma forma geral, o desafio tem a ver em como conseguir engajá-los primeiro no sonho, na missão. Diferente das outras gerações, bastava dar oportunidade do trabalho. A empresa era soberana, não é mais. Acho que aqui também tem sabedoria e também tem beleza se olharmos para além do tradicionalismo e do viés que o tradicionalismo traz. Outros desafios é que eles chegam mais frágeis. A imaturidade emocional é maior, exatamente porque foi uma geração que passou mais tempo no digital, ao mesmo tempo que é uma primeira grande geração cuja pai e mãe estão trabalhando massivamente. Tem uma fragilidade maior, seja da decisão, de múltiplas decisões, seja da vivência digital muito potente, a vivência do mundo offline, no real mais fragilizada, das ausências dos principais progenitores no dia a dia dessa relação. Mas não é nada que uma boa parceria com um mentor, com um profissional maduro, com uma liderança consciente para trazer essa referência e essas boas práticas que o mercado de trabalho tanto pede, independente do tempo.
Como as empresas podem se adaptar às mudanças?
Acho que a melhor forma de se adaptar à mudança é ter diálogos transparentes, abertos. Temos até cinco gerações dentro de uma mesma empresa hoje em dia, são tempos muito distintos. Dos super tradicionais aos jovens que estão tentando reconstruir o conceito de trabalho, o conceito de consumo. O que eu peço é ter esse olhar cuidadoso para que não seja só uma imposição, isso não funciona mais. Que seja uma troca. Muitas vezes, a gente gosta de fazer mentorias reversas, onde o mentor sênior da área, a liderança que tem todo o conhecimento da área, da empresa, da indústria venha e traga a maturidade do mercado, traga a maturidade emocional, traga a orientação de pessoas que já viveram bastante tempo naquele trabalho, a vida também, junto com o processo de escutar esse jovem, porque ele também está trazendo bastante coisa que muitas vezes irá impactar o próprio olhar para a estratégia. O que você faria nessa situação, o que você acha dessa situação? Escute. E dessa troca vocês verão que muita coisa sairá a partir de uma visão da geração, porque eles estão super conectados através das plataformas de mídia social. Dessa narrativa das quais eles estão sendo conduzidos como geração, a gente pode trazer boas práticas para o dia a dia do trabalho. Nós não estamos acostumado a ouvir as emoções e eles falam muito mais que estão bravos, tristes, frustrados do que a gente falava enquanto gerações anteriores. Tem um lugar que até a nossa não alfabetização emocional choca com a abertura emocional que eles têm, de poder falar o que estão sentindo. Tudo isso, se colocado por uma liderança madura, dá para fazer boas trocas e chegar em vias do meio bastante interessantes.