Brotero, personagem do conto Papéis Velhos, de Machado de Assis, é deputado com pretensões a um cargo no Ministério. Ora, como se sabe, a política é a arte da oportunidade e do interesse. Em dado momento, este projeto pode se tornar real pelas mãos de um amigo e colega de profissão. Porém, dentro da conjuntura, é preterido por outro, por entenderem ser mais vantajosa a escolha deste terceiro. Como disse o humanista e filósofo francês Étienne de la Boétie, se a ética nas relações está ausente, não temos amigos, apensas cúmplices. A páginas tantas, Brotero, movido por raiva e rancor, decide escrever uma carta a esse comparsa que o abandonou, revelando todo seu ressentimento e mágoa, o que certamente causaria a ruptura entre eles. Antes de enviá-la, porém, abre uma gaveta de sua escrivaninha e encontra um maço com antigas correspondências. Ao lê-las, depois de tantos anos, dá-se conta: as pessoas e os fatos que então lhe despertaram desprezo ou amor, hoje o deixam indiferente. E, num átimo de segundo, recua, compreendendo que a ação movida a impulso emocional, sob o calor da hora, está fadada a provocar em nós grandes arrependimentos. Em outras palavras: espere. Troque o imediatismo por comedimento e você será sempre recompensado.
Contribui para essa tendência de querer tudo ao mesmo tempo a certeza de termos o direito de dizer qualquer coisa. Chamam a isso, comumente, liberdade de expressão. Mas também pode ser entendido como um ato de imprudência. Somente um ou outro se filiaria a uma escola que nos ensina a perseverar, a fazer escolhas cuidadosas, desobedecendo ao desejo de impor a própria vontade, em detrimento da capacidade de aquietar os sentimentos e só posteriormente argumentar. Somos filhos tardios da pressa e muito nos desagrada a sensação de estar perdendo algo. Seria melhor falar na cara, sem minimizar a força da linguagem? Acredite, raramente dá certo. É impressionante a ampliação da lucidez quando paramos, elencando as pseudo-razões pelas quais fomos levados a iniciar uma batalha mental ou verbal. Comumente somos incapazes de nos refrear: talvez porque a sensação de revide seja bastante prazerosa. O efeito, embora intenso, dura pouco. O bom de agora pode acabar se revelando enganoso. É o princípio ancestral a nos sugerir a importância de respirar profundamente antes de vociferar.
Os motivos das ações alheias costumam nos escapar e geralmente o estado emocional de nosso interlocutor também. Ou seja, pouco sabemos além do que se vai dentro de nós. O eu é, indubitavelmente, uma vistosa prisão. Visite seu passado e descubra: do edifício das urgências, quase nada mais sobrou de pé. Olhe para os escombros com alegria: a reflexão te impediu de perder o afeto de pessoas caras. Muitas vezes, ganha quem supostamente perde.