Se você passa o dia inteiro pensando em sexo, não conseguirá ver mais nada de interessante ao seu redor, além disso. Se, por outro lado, for obcecado por comida, reduzirá todos os seus prazeres ao ato de se alimentar. O gozo supremo se dará na presença de um prato bem servido. Como para muitos é impossível também conceber a boa vida longe do álcool, do esporte, das compras. Em si, isso não é bom ou ruim, se bem dosado. É a clássica diferença entre o veneno e o remédio. O grande problema é quando queremos uma única coisa: reduzir o mundo segundo nossas vontades. Não falo isso de maneira abstrata. Tenho amigos que transformam o prazer (ou o vício) numa religião. Não se permitem sequer discutir a possibilidade disso ser uma patologia. Rezam por uma cartilha como o crente pela sua salvação. Dizem aproveitar a vida muito mais, exaurindo o máximo do que lhes é oferecido. Só que é da natureza do desejo não se saciar nunca. A sensação de apaziguamento, de que se está contendo a fera, é incondicionalmente provisória. Há sempre a queda depois do pico. E a fadiga por ter que começar tudo de novo. É bem longe desses extremos que se pode encontrar a serenidade. Aproveitar, mas sabendo que se usufrui bem mais a paisagem quando nossos olhos ainda são virgens de novidade.
Opinião
Gilmar Marcílio: do que você se alimenta
É bom sentir falta do que nos sustenta; ter expectativas
Gilmar Marcílio
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