Eu gostava de xaropes. Isto é, daquele líquido medicamentoso, geralmente adocicado, com finalidades terapêuticas, que minha mãe me alcançava equilibrando na colher quando era criança e pré-adolescente. Desde então, simpatizo com xaropes porque remetem à infância, aqueles dias luminosos que antecederam tudo o que viria depois. Gostava porque tinha aquele gosto adocicado, que não é tão comum ao sabor de muitos medicamentos. E o gosto dos remédios sempre era uma inquietação. Nunca se sabia a experiência que estava por vir. Mas, quando era um xarope que as mães manejavam para combater a tosse ou qualquer mal-estar, havia um certo alívio, pois a tendência era ser aceitável ao paladar.
Os xaropes que tomamos na infância ocupam algum lugar na memória. Havia formulações farmacêuticas, mas também manipulações caseiras. O xarope à base de guaco era o mais popular, havia variações que incluíam mel, limão, alho, gengibre. Por ser adocicado, no entanto, às vezes causava alguma repugnância, de onde provavelmente derivou a conotação pejorativa do termo. Conotação um tanto contraditória, porque, na essência, xarope é útil para a administração inicial de problemas caseiros de saúde. Então, uma pessoa passou a ser carimbada de “xarope” quando é chata, cansativa, causadora de embaraços, criadora de problemas.
Parece não haver dúvidas: o corona é um vírus xarope. Na verdade, é bem mais grave do que isso, porque leva vidas embora, e xarope é uma designação quase folclórica, despida de gravidades. Mas, ao interferir nas atividades cotidianas, ao estabelecer obstáculos de toda ordem, sem dúvida que o corona é um xarope clássico.
Há outras figurações associadas ao coronavírus, menos caricatas do que essa. O desembargador Leoberto Brancher, entusiasta e propagador dos conceitos da justiça restaurativa, associa o coronavírus à falta de ar, uma característica resultante do sufocamento em diversas esferas causado pelo nosso modo de vida, de organização da sociedade, que alcança a condição patológica sob a forma de pandemia. Bastante simbólico.
Dias atrás, ouvi mais uma figuração interessante, essa associada ao automobilismo. O coronavírus impõe a necessidade de um pit stop para a humanidade. Não o pit stop planejado que se vê na Fórmula 1, quando se trocam pneus e se abastece na hora programada. Mas sim um pit stop forçado, que exige levar o carro para a oficina, e por lá é preciso ficar uma temporada, acostumados que estamos às facilidades que um automóvel permite. O coronavírus exige o pit stop forçado, o que certamente será útil para inventarmos e descobrirmos outras possibilidades e operacionalidades para o nosso modo de vida. E, assim, não vivermos o tempo todo com falta de ar.
O coronavírus é um baita xarope.