Segunda-feira, mais uma semana que se inicia, e junto com ela tem toda aquela lista de atividades planejadas para o trabalho, para a casa, e a sensação de que a gente não consegue dar conta de tudo.
Vivemos em uma região que destaca a cultura do trabalho, que valoriza o fazer, mas é preciso cuidado para não confundir exaustão com produtividade.
Em função desse tema tão recorrente, o de lidar com essas angústias das pessoas nos ambientes de trabalho, entrevistamos a psicóloga, fundadora da consultoria Com Propósito, Helena Brochado.
Recentemente, ela esteve na Serra participando de uma programação na Aurora, mas frequentemente tem trabalhos na região porque atua com desenvolvimento de equipes e líderes. Confira:
São tantas atividades na rotina atual das pessoas que, muitas vezes, o efeito é o contrário do esperado, porque muita gente paralisa. Como de fato fazer acontecer nos dias atuais?
A exaustão, às vezes, nos confunde. Parece que quanto mais a gente trabalha, mais produtivo a gente vai ser o tempo todo. A gente trabalha aqui muito forte com inteligência emocional e a gente tem que saber que o nosso cérebro não é uma máquina, ele precisa de momentos de produção, de trabalho, de entrega e também momentos de "off", que ele possa desligar e que possamos, sim, estar na nossa zona de conforto. O mercado sempre nos diz: "ai, mas estar na zona de conforto é perder tempo". Não, estar na nossa zona de conforto é a gente poder descansar. Poder ter o nosso TPM, que não é tensão pré-menstrual, é o tempo para mim, tempo para que eu possa ressignificar aprendizados, o meu dia a dia, as minhas escolhas e, claro, não posso ficar todo tempo na zona de conforto, né? Se não, a gente acaba não trazendo novidades, inovação. Precisamos sair da nossa zona de conforto, mas também precisamos estar nela em alguns momentos. Afinal de contas, até as máquinas, se são exigidas o tempo inteiro, pifam. O nosso cérebro também acaba tendo transtornos, que é a nossa complicação com saúde mental. Então momentos de "on", de entrega, de produtividade, de resultados são importantes, mas também os momentos de estarmos com a nossa família, nos conectarmos com aquilo que é importante para nós.
De onde vem tanta cobrança? É de cima, de líderes, é a autocobrança, é esse mundo atual que a gente vive de infinitas possibilidades, de infinitas escolhas? O que está provocando essa sensação nos profissionais?
Tem um autor, chamado Hans (o sul-coreano Byung-Chul Han escreveu A sociedade do cansaço), que fala que a gente vive numa sociedade da abundância, onde tudo é possível e os limites estão cada vez menos claros. Que é o oposto da sociedade da restrição no qual nossos pais viviam, onde estava muito certos do que era o correto e o que era o errado. Dentro dessa sociedade da abundância, a gente quer sempre ser o melhor, a gente se autoexige: ter o melhor corpo, ter a família mais estruturada, estar em um emprego melhor, estar em uma empresa que seja referência. Então, o nosso cérebro não liga o sistema imunológico na abundância. Enquanto a gente tem tudo que a gente quer, e que a gente precisa, a gente vai almejando mais. Nosso cérebro está feliz e diz: "vem, quero mais, me manda mais!". Quantos e-mails tu recebestes hoje? 500? Eu recebi 580. Quantos grupos de WhatsApp tu estás? 30? Eu estou em 80? Então o nosso cérebro não aciona esse sistema imunológico quando a gente está em um momento de produção exagerada. A gente acaba adoecendo, não só por um contexto social, mas por um contexto nosso de auto-exigência, de também querermos sempre sermos mais produtivos, de a gente não nos dar o momento de descanso. Sim, é um contexto social em que todas as pessoas se exigem mais, mas como indivíduo nós também estamos nos exigindo e querendo sempre se superar e, às vezes, a gente tem que lembrar que a perfeição ela é uma palavra divina. Nós somos humanos, cheios de pecados e de limites, e que talvez eu não vá conseguir tempo para fazer tudo, que o meu dia continua com 24 horas, que eu ter que dizer não, às vezes, é a melhor resposta que eu posso dar para alguém. Não precisar ser aquele não seco, mas poder dizer: "olha, nesse momento eu não vou conseguir te dar a atenção que tu mereces e, quem sabe, amanhã a gente possa voltar a conversar sobre isso para que a gente consiga chegar a uma melhor solução".
Mesmo quando se consegue trabalhar com altas demandas, e consegue desenvolver bons hábitos, a gente sempre está sujeito às transformações. Como lidar com isso?
Dentro dessa sociedade da abundância, precisamos pensar: o que que é importante para mim? Quais os meus objetivos? Qual o meu propósito profissional e pessoal? No momento que eu tenho isso mais claro, eu escolho pagar o preço dessas mudanças. A questão toda é que, na velocidade em que as coisas estão acontecendo, pouco tempo e pouco espaço psicológico nos damos para poder refletir sobre o que de verdade é importante. Qual a mudança que eu preciso realizar no meu presente para que eu consiga chegar nesse futuro que eu almejo? Então as pessoas vão fazendo, vão fazendo, vão fazendo sem ter claro o porquê fazem. Qual a minha intenção? E aí, realmente, a mudança fica muito grande e a gente não consegue dar conta de tudo, não. Então, de novo, é preciso voltar para nossa essência e perguntar: por que eu faço o que eu faço? Qual a minha necessidade de fazer mais esta atividade nesse momento? É a minha prioridade, não é? E incluir os limites no nosso dia a dia é uma condição sine qua non (indispensável) para que a gente consiga evoluir de forma saudável.
E essa sensação que a gente está sempre devendo algo, no sentido de não dar conta de todas as atividades, no caso das mulheres se acentua pela questão da maternidade? Aproveitando suas várias publicações falando sobre a a importância de termos mais líderes, como mulheres no comando podem melhorar esse ambiente?
Outro dia eu estava em um evento político e tinha uma deputada falando que, quando eles ganham as eleições, os deputados homens buscam abrir estradas, infraestrutura, e a mulher olha para creche, para escola, para lugares onde as crianças podem se desenvolver de uma forma mais sistêmica. Então, quando a gente consegue dentro de uma organização ter homens e mulheres em cargos de gestão, a gente consegue mais pluralidade na tomada de decisões. Os homens são extremamente focados, fazem um trabalho maravilhoso, e as mulheres trazem um outro conceito, que é também a humanização, a importância da empatia, uma inteligência emocional que já foi desenvolvida entre nós lá desde o tempo das cavernas, onde os homens iam caçar com aquele foco de trazer a comida para casa, e as mulheres ficavam cuidando da prole e tendo que identificar: aquele choro é um choro de fome, é um choro de carinho, é um choro de afeto, é de dor? Isso fez com que nós, mulheres, já viéssemos "mais chipadas" com essas informações emocionais. E hoje, dentro das organizações, frente a esse mundo tão competitivo, as pessoas querem estar com gestores que inspiram, que têm uma escuta ativa, realmente, e que buscam aquela conversa olho no olho. Isso tudo é um presente. São comportamentos que as mulheres têm de forma mais fácil. Não que os homens não possam vir a desenvolver isso. Claro que sim! Tudo que a gente busca de forma intencional, e coloca a nossa força e a nossa energia, a gente consegue desenvolver. Mas isso é mais natural no gênero feminino. Então, que a gente possa, sim, mesclar mais mulheres e homens dentro das tomadas de decisão para que a gente consiga ter empresas mais equilibradas. Com foco no resultado, afinal de contas isso é o que a maioria das empresas busca, mas lembrando que a gestão é um equilíbrio entre processos e resultados e gestão de pessoas. É uma gangorra. Eu não posso estar dando tanto mais peso para as pessoas do que para o resultado. e nem para o resultado em vez das pessoas, porque um depende do outro de forma direta. É essa a importância que tem as mulheres dentro das organizações focando também na inteligência emocional, em uma relação mais humanizada e proporcionando conversas mais significativas que apoiem as pessoas em direção a sua felicidade, aquilo que faz sentido para elas.