Na Semana do Dia Internacional da Mulher, contamos a história de uma empreendedora que atua no ramo de vestuário voltado para homens, mas que de ambiente masculino só tem os trajes de alfaitaria, porque o negócio é majoritariamente composto por profissionais mulheres. Com 33 anos, Kellen Ferraro já comanda, há uma década, as Lojas Ferraro. O irmão Erik é minoria no quadro de 25 profissionais, entre costureiras e comerciárias, das três lojas mantidas na cidade.
Kellen, que foi presidente do Sindilojas Jovem em 2014 e 2015, é uma das painelistas do encontro que o Sindilojas Caxias promove nesta terça, na véspera do Dia Internacional da Mulher. A 6ª edição do painel "Mulheres que arrasam no mundo dos negócios" será no auditório Integração, a partir das 17h30min. Ela divide o palco com a estudiosa de azeites Maria Beatriz Dal Pont e com a economista Patrícia Palermo.
Formada em Administração de Empresas pela UCS, com MBA em Gestão Empresarial pela FGV e Gestão Contemporânea pela Nortus, a diretora da Ferraro compartilha, a seguir, sua trajetória marcada pela conquista do próprio espaço também como sucessora:
Como foi a decisão de atuar no ramo de moda e a fundação da Lojas Ferraro?
Eu costumo brincar que eu trabalho nas lojas Ferraro desde que eu me conheço por gente, porque a história que me contam é que, dedes pequena, eu engatinhava no meio das máquinas de costura e assim eu fui crescendo e me inserindo no negócio. Tá precisando de gente pra dobrar roupa na loja? A Kellen vai. Tá precisando de gente para codificar, vamos lá! Comecei etiquetando as peças e, conforme eu fui crescendo, eu lembro de ir ganhando mais responsabilidades. Ainda adolescente, eu assumi a primeira loja. Depois fui para a parte mais administrativa, mas vira e mexe eu estou atendendo, porque eu gosto muito do contato com pessoas. Meus pais vieram do interior, meu pai morava em Vila Oliva, e a mãe em Cacique Doble. Eles trabalhavam na roça e vieram para o Centro de Caxias em busca de estudo e de um trabalho melhor. Aqui eles se conheceram e começaram trabalhando na indústria até que bateu a vontade de empreender. O pai foi em busca de cursos profissionalizantes de corte e costura no Senac e Senai. A mãe já sabia costurar. Quando ele chegava em casa do trabalho, ia cortar os moldes para a minha mãe costurar. Na época, ela ainda trabalhava fora e, no intervalo, ela vendia as peças. E para complementar a renda, ainda fazia amendoim caramelizado. Eu brinco que ela já estava elevando o ticket médio naquela época.
Quais foram os primeiros artigos confeccionados e quando se tornaram especialista no ramo masculino?
As primeiras peças eram femininas, eram jardineiras e aquelas camisas largas, amplas, que se usava na época, início dos anos 1990. Mas foi só no início dos anos 2000 que a gente foi então para o varejo, quando foi aberta a primeira loja e com o foco de ser de moda masculina, com a proposta de vestir o homem por completo. E foi lá dentro do shopping Triches, uma loja pequena que depois foi ampliada e passou para a fachada na Rua Sinimbu. Em meados de 2005, foi feita uma pesquisa de mercado em que se questionou o que o homem queria em uma loja de moda masculina. E foi aí que nasceu a Ferraro Personalità e que começamos a trabalhar com sobrenome para as lojas. A Ferraro Personalità vem da personalização. Então temos duas costureiras aqui na parte de cima da loja. Se precisa de alguma reforma para a hora, nós temos. O que acontece muito, de o homem deixar para a última hora. A gente faz o colete personalizado do casamento e outras customizações. E depois, quando teve a expansão do Shopping Iguatemi, a gente foi para lá também. A partir disso, a gente cada vez mais se aperfeiçoou na moda masculina na parte da alfaiataria e foi abrindo a gama de produtos na parte de multimarcas e também da nossa própria marca que é Angelo Ferraro, nome do meu avô.
Como foi assumir o comando de uma rede de lojas com 23 anos?
Foi em 2013, quando meu pai faleceu por um erro médico. E foi um período muito difícil na nossa vida. Por mais que a gente sempre tenha trabalhado juntos, e isso era uma coisa que ele prezava muito _ levava a gente em tudo que era lugar, feiras, eventos _ a palavra final era dele. Ele era a nossa segurança. Nossa família sempre foi muito unida e muito católica. Eu questionei muito Deus nesse momento. Por que que ele não podia ter feito o milagre? E, no meu egoísmo ali da hora, eu pensava assim: tem tanta família que não se gosta, tem tantas pessoas que fazem o mal, por que o meu pai? Com o tempo, eu entendi que ele fez sim um milagre de dar força para mim, minha mãe, e meu irmão mais novo de dar a volta, de continuar o negócio. Mas, independentemente da religião que se tenha, se tu tens uma fé, seja em momentos mais difíceis ou seja na alegria, ela vai te dar mais força. Com meu irmão sete anos mais novo, e como a minha mãe sempre esteve presente mais na matriz na parte das compras, eu estava mais na gestão e acabei assumindo o comando. Eu já tinha feito Administração e já estava fazendo MBA em Gestão Empresarial. Como eu também sempre fui muito precoce no trabalho, sempre fui muito envolvida com a moda, sempre amei pessoas, acabei assumindo a gestão, com uma responsabilidade diferente, mas também com a de continuar o sonho do meu pai.
Qual foi a decisão mais difícil de tomar depois que ele partiu?
Muitas vezes eu me pegava pensando assim: o meu pai faleceu, mas o que ele faria nessa hora? Ou muitas vezes as pessoas me cobravam: se o Constâncio tivesse aqui, ele faria dessa forma ou daquela? Então, eu ficava muito presa a isso. Eu me lembro da cena de um dia em que reuni toda a equipe para falar: olha, o pai faleceu, ele sempre foi o meu grande líder e, junto com a minha mãe, são os meus grandes exemplos de vida e sou muito grata a todos esses aprendizados, mas a partir de agora é diferente. Disse assim: a gente vai conversar, a gente vai trocar ideias, mas não é mais como se ele estivesse aqui. Então, eu acho que o meu sentimento, o meu maior desafio foi esse, o de fazer as coisas por mim e não por outra pessoa, com os meus pensamentos, com as minhas próprias decisões. O meu pai sempre foi muito visionário. Talvez, se ele estivesse aqui hoje, poderíamos estar até com mais lojas. Mas aprendi que não tem problema seguir o meu caminho e fazer as coisas no meu tempo. Esse foi o meu grande aprendizado enquanto sucessora.
Qual o tamanho hoje da rede Ferraro e quais os planos futuros?
Temos três lojas, a da Sinimbu, a do shopping e a matriz (esta fica no bairro São Ciro) com as confecções. São em torno de 25 pessoas que trabalham conosco. O nosso objetivo é crescer com essas lojas, porque vemos muito muito potencial dentro do que a gente tem hoje, buscando experiências para os nossos clientes dentro das nossas lojas físicas ou quem sabe em um ambiente digital.
Como é o ambiente de trabalho em uma loja masculina predominantemente composta por mulheres? Como é vender para o homem?
Eu acho que a mulher tem uma visão mais detalhista. É mais cuidadosa. Então isso favorece na hora de vestir. E eu acho que vender para homem é até mais fácil. Pode ser porque eu sempre trabalhei vestindo homens, mas também, por eu ser mulher, eu acho que o homem é mais objetivo, ele é mais decidido na hora da compra. Eu, pelo menos, vou em várias lojas. O homem não, ele vai em uma, ele compra menos vezes, mas compra mais quando está decidido. A mulher não, ela compra menos, mas ela compra mais vezes.
Foi mais difícil conquistar teu espaço como sucessora ou como uma mulher que negocia com homens?
Se eu senti algum preconceito por ser mulher, eu não percebi ou eu não levei em consideração. Eu tenho muito forte dentro de mim que a pessoa tem que traçar seus objetivos e conquistar aquilo que quer, independentemente de de uma opinião de uma outra pessoa, sabe? O machismo ainda existe, ainda é presente no nosso dia a dia, mas eu acredito muito mais em uma visão de protagonismo da mulher, nesse sentido de força.
Um dos desafios que vejo muitos profissionais destacando, principalmente mulheres, é a gestão do tempo. Como lida com isso?
Eu acho que esse é um dos maiores desafios mesmo, porque a mulher hoje assume muitas funções, mas também por uma vontade própria. E não é só fazer tudo, é fazer bem feito. No meu caso, é cuidar bem da empresa, da casa, da organização para o meu casamento, da minha saúde, da minha alimentação... O desafio é equilibrar tudo isso.
E agora falando de um outro desafio, que é o desafio do varejo, vocês trabalham muito com essa questão da personalização. É o caminho diante de um mercado cada vez mais online e com grandes redes?
A venda online é um caminho sem volta. Mas a NRF está aí para comprovar, e a própria pesquisa feita pelo Sindilojas, que o comércio físico nunca vai deixar de existir. O nosso desafio, enquanto lojista, é não deixar as nossas lojas para trás. É proporcionar experiências, seja na personalização, seja no ambiente da loja, seja no simples café. É fazer as coisas básicas bem feitas. Então, eu acredito que vai ser um conjunto em que a loja física vai ser um atrativo, um ambiente diferenciado para esse cliente em paralelo com a loja online. Seguindo nessa linha da gestão do tempo, eu vou olhar no online para ver se aquela loja tem os produtos que eu quero. Aí então eu vou lá. Não vou perder o tempo de ir em várias lojas. Até maio, nós também vamos lançar o e-commerce da Ferraro.