Um executivo com quase três décadas de atuação na Randon e que está à frente de um dos maiores movimentos de mercado protagonizados pela companhia com mais de 70 anos de história. Sandro Trentin, diretor-superintendente da vertical Montadora das Empresas Randon, é o nosso primeiro entrevistado de 2023. Além de comentar os próximos passos após a Randon Implementos entrar no mercado norte-americano de semirreboques com a aquisição da fabricante americana Hercules, o engenheiro conta um pouco mais sobre os mais recentes aprendizados na formação recém-concluída pela Harvard Business School. Confira:
Como foi o fechamento de 2022?
Foi um ano muito complexo. Tivemos de tudo, covid, variações de mercado, eleições... Começamos o ano com falta de matéria-prima. E terminamos de uma forma um pouco mais tranquila nesse ponto. A Randon conseguiu passar por isso sem paradas. Mas não foi fácil, foi desafiador. Teve a guerra, aumento de combustíveis, dos juros, e a inflação ainda persistente.
E mesmo assim colocaram no mercado uma nova geração de carretas, a linha New R.
Nós antecipamos o lançamento que ia ser na Fenatran (em novembro), pois pensamos: “o que nós vamos fazer para movimentar o mercado?” Quando você precisa vender um bem de capital com um juro cada vez mais elevado, com o diesel a mais de R$ 7, precisa estimular o consumidor. E foi aí que nós antecipamos o lançamento para a metade do ano, que foi um grande sucesso. Conseguimos movimentar bem o mercado, trazer inovações, mostrar melhorias. Porque temos um funil robusto de inovações. Temos uma visão de longo prazo, que vai a 15 anos, trabalhando novas tecnologias, novos materiais... Então vamos selecionando aquelas tecnologias que já estão mais maduras, que já começam a ser viáveis, que atenderão ao mercado, e já podem ser utilizadas. E vamos lançando conforme os momentos apropriados. E assim sempre temos uma carta na manga, para trazer algo novo para o cliente. Existe um plano de pesquisa e desenvolvimento que procura evitar que o cliente não seja sobrecarregado por muita tecnologia, muitos lançamentos, se não, ele não consegue assimilar tudo. Tem uma jornada que tem que ser feita e procuramos controlar.
A aproximação com startups acelerou o processo tecnológico. E com maior gama de opções, esse processo de curadoria também se torna mais desafiador?
Sim, porque a velocidade de tudo que chega até nós vem em grande volume. Então precisamos saber administrar o novo e a inovação. Temos uma estrutura bem robusta quando se fala em Empresas Randon divididas em verticais. A Montadora, que é a minha responsabilidade, e a empresa mais antiga, tem mais de 70 anos. É a que produz todos os semirreboques, os vagões, e administra uma rede de distribuição com mais de 160 pontos de venda no Brasil e exterior. É o maior volume, de pessoas, e faturamento... O faturamento da Montadora representa em torno de 40% do grupo, embora outros segmentos venham crescendo de forma muito relevante o que é muito positivo e está dentro da estratégia de crescer, de diversificar, seja nas Autopeças, Reposição e Serviços Financeiros e Digitais. Nos últimos cinco anos, interagimos com mais de 400 startups que entram no funil de inovações. A Randon aprendeu a trabalhar neste mundo, que era novo e que nós tivemos que nos adaptar, porque tem outra velocidade, outras demandas e necessidades, diferentes do mundo de bens de capital que o ciclo de vida é de cinco, de 10 anos.
Como foi o seu primeiro ciclo na Randon?
Eu nasci em Vacaria e com 15 anos eu vim para Caxias estudar. Fui fazer o Senai e tinha um tio que trabalhava na Randon e sugeriu que eu pensasse em atuar na indústria. Com o meio salário mínimo do Senai que ganhava, eu pagava as contas para morar em uma república e seguir em frente. E eu consegui um bom destaque no Senai, porque eu tive a oportunidade de participar na época das Olimpíadas do Conhecimento. Fui campeão brasileiro e fui parar em Taiwan em 1993 representando o país na modalidade de ferramentaria e matrizaria. E isso me abriu muito a mente. Imagine eu lá com 18 anos em uma época em que não se tinha celulares. Fui parar do outro lado do mundo e consegui conhecer, entender que estava acontecendo muita coisa. Quando voltei, um ano depois, já tinha um pouquinho de dinheiro guardado, vendi o carro que tinha comprado e fui para Europa fazer um mochilão por 30 dias, o que me abriu a visão global.
Fico admirada como muitos executivos da Randon começaram na fábrica e hoje estão no alto escalão. Em qual setor começastes a atuar?
Eu entrei na área de fabricação de ferramentas na Randon Implementos. Minha primeira função foi lavar ferramentas. Depois eu consegui ir para a área de projetos. Daí eu me formei em Automação Industrial enquanto fazia a faculdade de Engenharia. Acabei me formando em duas faculdades quase que ao mesmo tempo. Depois fui parar no setor de Engenharia. Eu era um dos que já falavam inglês numa época em que eram poucos, por isso fui trabalhar no projeto de uma nova empresa que surgia na época, a Jost. Acabei montando junto com os engenheiros alemães a nova fábrica no Brasil. Fiquei por seis meses na Alemanha, entendendo todo o funcionamento. Quando voltei, me casei com a Joci e tivemos o Pedro.
Qual é o maior desafio de passar de engenheiro para executivo?
É complicado, demanda muito tempo. A gente não trabalha só as oito horas na empresa, estamos permanentemente à disposição, de clientes, do mercado, mas encontramos saídas, alternativas e alguns hobbies. Eu procuro correr, ir à academia até para aliviar o pensamento. E ter bons amigos, boas conversas, bons vinhos e jantares. Buscar criar uma vida que não é só do trabalho, mas em Caxias do Sul e na região é mais difícil. Temos esse ambiente empreendedor que te estimula a conversar sobre trabalho. Mas me divirto, me sinto bem, porque trabalho não é um fardo. É um estímulo. Por quê? Porque eu aprendo, trabalho em uma empresa que dá oportunidades de criar, de propor coisas novas, de fazer. Tem muitas responsabilidades. É muita gente. Mas isso também nos faz seguir, até para criar empregos de qualidade. Isso está do DNA da Randon e quem está aqui acaba inserido em todos esses valores. Isso vale para qualquer empresa, mas também para qualquer pessoa. Está muito mais claro que tu permaneces em uma empresa, não é só pelo monetário, mas pelos princípios e valores alinhados.
Como foi a experiência que teve fora da Randon como diretor de operações da Keko?
Fiquei por três anos lá até que se tornasse um projeto maduro. A proposta era muito importante, tinha o desafio de montar uma única empresa e colocar cinco operações em uma única operação na nova sede em Flores da Cunha. Quando retornei para a Randon, assumi o cargo de diretor industrial. E, na época, havia um plano de expansão bem importante, que era aumentar a produção de 60 para 120 produtos/dia. Se montou um novo pavilhão e foi feita toda a reestruturação da pintura com uma tecnologia que até hoje não foi nem sequer igualada no Brasil.
E nesta função muito mais estratégica, no corporativo, quais são os aprendizados?
Você precisa ser bom ouvinte, porém diretivo. Precisa trabalhar visão do todo e estimular, contribuir efetivamente para o crescimento da empresa, mas principalmente apoiando e suportando o conselho e presidentes naquilo que será a empresa do futuro. É diferente de uma função gerencial, coordenação ou mesmo analista, ou seja, onde tu tens o operacional tático. Passa pelo estratégico e te obriga a pensar como conduzir a empresa. É olhar o todo e estimular as pessoas ao engajamento em um único propósito. É construir e manter essa visão, mudar culturas, aquilo que precisa ser alterado ou até adaptado, entender todo esse movimento novo como nós falávamos, inicialmente, das startups, o movimento de expansão da empresa, de diversificação, seja em negócios ou mercados. A Randon aumentou muito a sua diversificação por países, por regiões. Na época que eu voltei, nós construímos a Randon em Araraquara, tivemos a unidade de Chapecó ampliada, depois veio a de Erechim. Nós reforçamos nossa posição na Argentina e, agora, neste último ano, fomos para os Estados Unidos, com a incorporação da Hércules em novembro. Então nós vamos continuar essa trajetória de expansão, de crescimento, de diversificação, seja de portfólio, de regionalização, de novas abordagens, para que o crescimento favoreça também alternativas para maior resiliência dos mercados e volumes e maior equilíbrio de receitas. O Brasil e as economias onde nós atuamos na América do Sul, América Latina em geral, África, são economias que têm instabilidade histórica, seja política ou econômica. Por isso que também estamos indo para os Estados Unidos e outros países acima da linha do Equador.
Essa aquisição nos Estados Unidos foi uma das mais importantes da tua história nas Empresas Randon?
Sem dúvida, mas isso não é feito por uma pessoa. O que é muito bom das Empresas Randon são as equipes, a robustez, o apoio, o suporte. Claro, alguém tem que ser a linha de frente, alguém tem que puxar, né? E isso vem da presidência, com o Daniel Randon, do principal executivo, que é o Sérgio Carvalho, olhando o todo, e da minha função também como executivo da Randon Montadora em busca de um negócio novo, uma nova posição nos Estados Unidos. É a primeira posição que a Implementos ocupa lá. São fases importantes da Randon, como quando foi criado o parque fabril onde estamos hoje, no Interlagos. Algo que seu Raul Randon puxou junto com as diretorias da época, depois teve toda a abertura de capital, o movimento das novas empresas. São momentos históricos importantes. Eu entendo também como um marco quando a Fras-le foi para a China e para o Alabama (EUA), pois foi quando as Empresas Randon colocaram o primeiro pé no continente norte-americano. São segmentos diferentes, mas como semirreboques, sim, esse é o primeiro movimento da Randon nos Estados Unidos. É uma aquisição importante, a Hércules é uma empresa que também tem em torno de 50 anos de história, que depois foi adquirida por um fundo de investimentos e agora a Randon chega efetivamente. Estamos começando, engatinhando... O primeiro desafio é manter a empresa operando bem, fazer com que as pessoas entendam que o nosso movimento é de continuidade de investimentos, de crescimento, isso é bem importante. E, para nós, é um aprendizado de como operar melhor nos Estados Unidos, falando como Montadora.
Qual o potencial de negócios que se amplia com um mercado tão importante em termos de consumo mundial?
O mercado norte-americano é, normalmente, cinco ou mais vezes o mercado brasileiro. Ele é pujante. A parte chamada de semirreboques é dividida em trailers e chassis. Nós entramos no mercado que se chama de chassis, que são específicos ou para transporte de contêiner, de carga mesmo. Esse de chassis é um mercado de até 50 mil unidades no ano. E o mercado de trailers nos Estados Unidos chega a 400 mil unidades/ano. O mercado brasileiro, por exemplo, é em torno de 80 mil unidades no ano de 2022, e 2023 talvez um pouco abaixo disso. É uma marca a busca dessa posição nos Estados Unidos, ela nos levou a trabalhar e conhecer muitos clientes desse mercado. Isso nos antecipou exportações, porque a busca pela aquisição de uma nova empresa nos levou a conhecer os clientes, entender que existia uma oportunidade com a nossa pujança e a própria verticalização de todas as empresas da companhia. Porque nós temos o chassi, as peças, as autopeças, nós temos condição, robustez e a tecnologia para oferecer um portfólio completo de produtos no segmento, o que não é tradicional ou usual mesmo nos EUA. Lá as empresas são dependentes da cadeia de fornecimento e a Randon tem a sua própria estrutura para isso. Então isso nos diferencia. Os EUA sobretaxaram alguns produtos chineses, o que nos facilitou. E por que aconteceu agora? Porque algumas coisas precisavam acontecer antes, nós tivemos que certificar o produto, porque não é só ir lá e vender, foi preciso se enquadrar nas normas americanas e internacionais importantes para operar naquele país.
Como é que fica a questão da fabricação lá? Fica com a marca Hércules ou vocês colocam também a Randon?
Já temos as duas marcas operando. Então o que nós estamos exportando hoje segue com a marca Randon e lá nós estamos mantendo a marca Hércules. Mas nós devemos operar com as duas marcas para os produtos fabricados lá também.
Quanto é exportado hoje daqui para os Estados Unidos?
Nós devemos exportar esse ano em torno de 800 unidades e, para o próximo ano, devemos fazer três a quatro vezes esse volume. Feito daqui. Feitos do Brasil. Isso que é importante para a Serra. Nós estamos gerando empregos aqui. Gerando empregos agora. Estamos falando de 15 mil funcionários em todas as empresas. Esse é um novo negócio importante e, sim, a Randon está contratando pessoas dentro do seu ciclo natural. Tem reflexo regional dentro de uma visão global. Quando falamos em empregos, se pensa muito na questão operacional. Mas temos que entender que quando a Randon faz movimentos, que não são exatamente em Caxias, não significa que Caxias perde empregos. Muitas vezes, ganha empregos, porque nós estamos interligados como empresa que fornece para outras. Assim como nós trouxemos peças, componentes e sistemas de outros locais, nós também precisamos fornecer para fora. Estamos fornecendo matéria-prima para os EUA. Até quando isso vai se manter? Não é muito importante nesse momento saber, mas isso se manterá pelo ano de 2023. Se tivéssemos mais navios, talvez tivéssemos exportando mais.
E como foi a sua experiência em Harvard?
Extremamente interessante. Claro que é um curso de extensão, de especialização. Algo que também me fez ser selecionado é estar nas Empresas Randon, pela relevância necessária para conseguir estudar em um ambiente assim. Quando se fala em matéria e conteúdo, tu tens um curso diferenciado, mas o que mais me chamou a atenção foi a qualidade dos alunos. E a diversidade de pensamento, de ideias. Poder conviver com pessoas de diferentes países e empresas. Eu estudei com a vice-presidente do parlamento europeu, diretores de bancos, reitor da Universidade do Kuwait, pessoas que jamais eu teria contato no dia a dia se não fosse num momento como esse. E aí compartilhando as “dores”, elas são as mesmas, claro que adaptadas aos seus países, culturas e necessidades locais. O curso era sobre liderança e foi muito rico para entender como cada país, cada segmento, lida com essas questões, que no final tem um mesmo propósito, de construir algo melhor.
Pode citar um exemplo de “dores” compartilhadas?
As pessoas, em geral, têm dificuldade de abordar assuntos difíceis. Um dos módulos tratava só de abordagens para isso, porque as pessoas tendem a não entrar no assunto. E não é só tocar no assunto, tem que mergulhar no tema, discutir e sair com uma solução de algo que não necessariamente é positivo.