Chief Transformation Officer (CTO) com status de vice-presidente das Empresas Randon, idealizador do Instituto Hélice de Inovação Colaborativa, vice-presidente financeiro e administrativo do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e região (Simecs). Só por algumas das atribuições deste executivo já é possível inferir que o entrevistado é Daniel Martin Ely, 47 anos.
Mestre em Estratégias Organizacionais pela Unisinos com especialização em Liderança pela Universidade Kellogg, nos Estados Unidos, Ely é um dos protagonistas de inovação no cenário recente, tanto que é o atual coordenador do Conselho de Inovação e Tecnologia (Citec) da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs). Mas para alcançar tal projeção, o executivo passou por um processo de transformação:
— Estou escrevendo um livro com reflexões sobre o tema pois, para transformar organizações e líderes, a primeira transformação feita teve de ser a do próprio Daniel Ely. E ela começou com o diagnóstico de autismo da minha filha. Ela me mudou como pai e profissional. Me ensinou a reequilibrar minhas ações e me fez perceber como eu poderia atuar para provocar mais impacto, inspirando e influenciando pessoas _ conta o executivo.
A publicação que vai tratar da jornada de um líder em transformação está prevista para ser publicada no final do primeiro semestre do ano que vem. A seguir, confira um pouco desta jornada que transformou um profissional com formação técnica em mecânica em um dos grandes articuladores da transformação cultural e digital da Serra:
Quem era o Daniel Ely no início de carreira?
Nasci em São Leopoldo. Costumo dizer que sou um alemão no meio dos gringos, apesar de já estar há 16 anos na Serra. Com minha formação técnica em mecânica de precisão pelo Senai, era para eu ser auxiliar de mecânico de manutenção. Mas, quando participei do processo de seleção da empresa onde comecei (hoje GKN), acabei sendo direcionado para a área de qualidade. Depois fui para a área de Recursos Humanos (RH) atuar em treinamento e desenvolvimento, onde fui fazendo toda a minha trajetória.
Como entrou nas Empresas Randon?
Entrei como gerente de recursos humanos da Randon Implementos em 2006. Participei de alguns processos de seleção e estava praticamente dentro da Gerdau.
Poucas semanas antes de fechar lá, fui convidado para participar da seleção na Randon.
Sempre fui um cara de fábrica, de circular, de ver pessoas, e muito menos de ficar em escritório. Quando visitei a Randon, logo me encantei e acabei abrindo mão da vaga na Gerdau.
E como foi a jornada de transformação de gerente de RH para vice-presidente?
O grupo Randon eu vejo como mercado. Não precisa sair daqui para crescer. Já estou no meu quinto ciclo de crescimento. Depois de quatro anos como gerente de RH da Randon Implementos, levantei a mão para participar de processos seletivos para posições de negócio. Uma delas, que muita gente não queria ir pela instabilidade que o país atravessava, era a de gerente geral de negócios da nossa planta em Rosário, na Argentina. Geralmente é uma vaga de perfil comercial. E muita gente estranhou ver “o cara de RH” participar. Mas foi uma das melhores experiências que tive porque “naveguei” por todas as áreas de negócio. Conseguimos reverter um cenário bem difícil e fui convidado para assumir a planta da Fras-le no Alabama (EUA). Fui em 2013 para um projeto de dois a três anos, mas tive de voltar para o Brasil em função do diagnóstico de autismo da minha filha Sophia, hoje com 9 anos (Ely também é pai de Gabriel, 23, e Samuel, 17).
Mesmo que os Estados Unidos tenham estudos mais avançados relacionados ao autismo, por que decidiu retornar?
A vantagem de estar nos Estados Unidos é que fechamos o diagnóstico muito cedo, com 13 meses. Daí a gente começou a procurar entender o que é o autismo. Lá existe um programa público em que profissionais desembarcam na tua casa para treinar os pais a fazer toda a parte de terapia no lar. Minha esposa, Raquel, é professora e aprendeu rapidamente. Quando a Sophia tinha 15 meses, os médicos disseram que deveríamos priorizar o país que ela teria a língua mãe. Como meu projeto era de dois a três anos nos Estados Unidos, eu voltaria para o Brasil de qualquer forma. Tinha um sonho de fazer carreira fora, mas tive que levantar a mão, abortar ele, e amparar minha família. Foi aí que resolvemos criar o UNiTEA - Instituto Unidos pelo Autismo, que começou com um movimento voluntário em 2015 da minha esposa. Ela compartilhou o que aprendemos nos Estados Unidos com outros pais, dava aula para eles nos fundos da nossa casa. Eu entrei com minha experiência de articular movimentos, assim como faço na Randon, Simecs, Hélice. Hoje são 175 famílias cadastradas e atendidas com foco, primeiro, em cuidar de quem cuida. A gente conseguiu influenciar a educação de profissionais de saúde, de ensino... No ano passado, a minha esposa Raquel Ely criou a pós junto a UCS, que é a única no Brasil habilitada na área de metodologias e técnicas para lidar com o autismo.
A volta ao Brasil marcou o início de qual ciclo?
Na metade de 2014, iniciava o meu quarto ciclo, quando fui convidado para assumir a parte corporativa de RH de todo o grupo Randon. Eu cheguei no momento dos 65 anos do grupo em que se discutia como construir o futuro a partir de um diagnóstico de saúde organizacional. Começava ali a jornada de transformação de cultura que culmina com a de transformação digital. A Randon era uma indústria bastante tradicional, hierárquica, com ilhas de comando e controle, o que acabava gerando um receio maior de errar. Mas, para explorar e entender esse mundo diferente, não dava mais para fazer tudo sozinho, era preciso ter parceiros externos, e saber que errar também faz parte desse processo. Este quarto ciclo tem significado especial pois começa a pavimentar essa pista para o avião decolar e poder subir rapidamente, passando pelo desenvolvimento das lideranças e criação de novos processos. Quando chegamos em 2017 para 2018, a gente se dá conta que, mesmo com tudo isso, ainda existia uma miopia digital. E aí começa o meu quinto ciclo, de ajudar o grupo a entender os sistemas de inovação de fora para ver o que poderíamos trazer nessa jornada, mas ainda muito com o olhar de cultura organizacional, não tanto de tecnologia. Era um momento em que estávamos sofrendo violentamente uma crise, em função da retração do mercado de implementos, e sentindo uma necessidade de mudanças. Aproveitamos o momento para fazer coisas diferentes. Juntamos áreas e toda a parte de estratégia veio junto com pessoas e culturas. Mas tinha uma parte da inovação ainda descoberta, porque focávamos em tecnologia e produtos, mas em todo o resto, em serviços, da própria organização ser mais leve, não se mexia. Fui puxando isso junto e aí surge a figura do CTO, onde eu tenho a responsabilidade de ajudar a orquestrar o processo de aceleração desses processos. Logo depois fui convidado para o comitê executivo já sob a liderança de Daniel Randon.
Quais as similaridades e diferenças entre os Daniéis?
Conheci Daniel Randon quando estava nos Estados Unidos. Ele era o CEO da Fras-le. Foi quando comecei a ter uma proximidade maior, mas sempre gostei da liderança dele. Ele é moderno, empodera, dá autonomia para seus executivos. Quando começou a ver a miopia digital, também foi um entusiasta da transformação. Temos essa sinergia de propostas. Uma forma de respeitar o legado que recebemos, esses mais de 70 anos de história, é ajudar a construir outros 70. E nem sempre é fazer como fizemos até hoje. Mudar é uma forma de honrar esse legado. Temos essa conexão de propósito, de acreditar em inovação aberta, de não fazer tudo sozinho. As nossas diferenças são, na verdade, complementaridades. Ele tem a formação em engenharia e finanças, está muito ligado aos números, estratégias e crescimento com sustentabilidade. A minha perspectiva é mais do olhar de pessoas, cultura, liderança e inovação. Ele me ajudou a entender mais o negócio, a sustentabilidade. Eu ajudei ele a encontrar as respostas de o que fazer e como fazer essa transformação como um todo. Sempre olhando para esse lado humano que todos os filhos trazem do DNA de Raul Randon.
Quando a gente pensa em inovação, já surge o nome de Daniel Ely. Como se envolveu em tantos movimentos?
Na minha cabeça, a gente sempre inovou na Randon, desde 1949. O que tinha que ser feito de diferente? A forma como se faz essa inovação. Como o mundo está muito mais acelerado e complexo, é preciso várias cabeças para inovar. Antigamente, aqui na Serra mesmo, Raul Randon, Paulo Bellini, eles tinham tudo por construir. Hoje o que tem que as pessoas não conhecem? A inovação mais transformacional, disruptiva, acaba sendo uma consequência de pensar diferente, com empresas do grupo, de fora, startups...
Quando fui para o Vale do Silício, quando visitei outros ecossistemas de inovação no país e fora, me dei conta que não era tecnologia a chave. Eram as pessoas, a cultura, a conexão, mudar o modelo mental de pensar e agir. A inspiração do movimento Hélice veio do movimento do instituto do autismo. Como recém tinha vivido essa experiência do ecossistema de gente trabalhando voluntariamente, eu tinha claro que dava para fazer de forma diferente. Ele me inspirou a sair da Randon, como cpf, e procurar outros cpfs da região dispostos a fazer um movimento conjunto e colaborativo. Depois nos juntamos com quatro CNPJs e hoje são 26 empresas e apoiadores. O Hélice me projetou e acabei sendo um representante da Serra em nível estadual no Inova RS, como membro do conselho de inovação da Fiergs. Eu ajudei a estruturar, pensar e acelerar processos de inovação e hoje estamos sendo acionados em atividades e organismos a nível federal. Isso tudo ocorreu de forma natural, mas fruto de um trabalho coletivo.