A vida é feita de ciclos. Isso significa que tudo começa e termina. Dizer o óbvio é sempre necessário. Mesmo assim, fugimos dele. Talvez seja uma tentativa de negar que um dia, tudo acaba. Para todos. É claro que dar-se conta disso, dói. A vida é feita de frustrações. E essa é a natureza impermanente e mutável da existência cíclica. E às vezes há sofrimento sobre o sofrimento já existente. A velha história de que não importa o quanto as coisas estão ruins, pois podem ficar ainda piores.
Um dia você acorda, tropeça, se atrasa, perde a carteira, quebra um dente, começa a sentir dor nos joelhos, recebe um telefone furioso do chefe e batem no seu carro. Tem uma máxima budista que gosto muito e sempre lembro quando isso acontece, a dor permeia a nossa vida como o óleo permeia as sementes de gergelim. Sim, porque há dias que parecem que estamos sendo fritos em óleo quente.
Claro que nem sempre este sofrimento é tão visível, ainda mais quando as coisas parecem estarem indo bem na vida. Então estranhamos que mesmo sendo felizes, sentimos uma certa tristeza. É porque não existe felicidade plena. A menos que sejamos alienados da vida e da realidade. Só uma pessoa alienada consegue rir o tempo todo. De resto, impossível. Mas para além disso, quantas vezes, ao invés de tentarmos ser mais leves e ter mais ternura, entramos num pensamento persecutório nos infringindo ainda mais dor?
São as autocobranças, os autojulgamentos, a exigência que temos com a gente de ter de dar conta de tudo. Na verdade, não precisamos que ninguém envenene nossa mente. Somos ótimos em fazer isso conosco mesmos.
Nada é para sempre, nem mesmo a dor. Mas como sofremos quando estamos atravessando a tempestade. O que talvez não passe, seja o tamanho da maldade humana. É impressionante como somos bons em machucar os outros, em excluir o que é diferente, em inventar discursos e (in)verdades sobre o que é melhor para o mundo. Talvez o tóxico da relação sejamos nós.
Achamos que nossa opinião é a correta, que nossa ideologia é a certa, que nossos pensamentos são os que estão de acordo. Tomamos como régua o que aprendemos da vida e queremos aplicar nos outros. Fazemos isso e nem nos damos conta do quanto de violência produzimos. Talvez sejamos nós a fonte de sofrimento de alguém ou de algum grupo.
Aprender a respeitar o outro, a compreender que as pessoas são e pensam de modo diferente do nosso é fundamental para se viver em sociedade. Sem isso vira barbárie. O civilizado mesmo guarda para si seu discurso de ódio e tem vergonha de mostrar isso para os outros.
Sim, porque raiva todo mundo tem, mas o que nos diferencia é o que fazemos com ela. Conseguir ponderar sobre os fatos, entender que a verdade não tem apenas um lado, que ninguém é superior a ninguém, é demonstrar que temos alguma capacidade de compreensão dentro de si.
O mundo é tão maior que nosso umbigo. Já temos nossas próprias angústias para dar conta, então, quem sabe, menos arrogância. Quem cuida da própria vida não tem tempo para cuidar da vida dos outros.