É impressionante nossa capacidade para estragar as coisas. Tem dias que acordamos com a pá virada e damos um jeito de virar todo mundo do avesso. É muito difícil ficar perto de alguém que, invariavelmente, reclama: a comida tá ruim, aqui tem mato demais, porque abriram essa janela, não percebem o frio, porque não abrem a janela, tá quente demais, esse quadro não deveria estar aqui, esse sofá não combina com o espaço, essa cadeira está fora do lugar, sua roupa está amassada, não gostei desse restaurante, não gosto de café com açúcar, não gosto de café sem açúcar, não gosto de café, não gosto do cheiro do café. E se você questionar algo a ladainha aumenta indefinidamente. Parece que o sujeito engoliu um rádio e faz do encontro um podcast sobre o assunto, num monólogo repetitivo e sem sentido. Nem mesmo um dia de céu azul consegue aplacar a chatice que de vez em quando nos visita. Sim, porque todos nós, em algum momento, também nos tornamos insuportáveis. E não tem como não se irritar. Até um monge budista sentiria raiva.
Nessas horas e nesses encontros a saída é não entrar na casa da irritação. O melhor é deixar a pessoa falando sozinha. O silêncio há de abrir a brecha para uma ponta de luz e quem sabe o sujeito se dá conta da sua rabugentice. É uma esperança, bem sei. E se somos nós a dar palestras, que sejamos picados pelo bom senso e façamos silêncio. O bacana mesmo seria pedir desculpas e admitir que não está num dia bom.
O interessante é nos darmos conta de que o modo como vemos o mundo fala de como, de certo modo, somos por dentro ou estamos nos sentindo. Claro que há dias complicados, mas a maneira com que lidamos com nossos problemas diz de quem somos e sobre o que já aprendemos nesta vida. Não que seja uma máxima, mas faz sentido pensar que se tudo que tem do lado de fora te irrita, talvez o irritado (irritante) seja você. Mais ou menos como se pudéssemos pensar que somos reflexos na maior parte do tempo. Refletimos na natureza, nos encontros, nas falas, no cotidiano, na intimidade, aquilo que temos para oferecer. Há pessoas que oferecem sua raiva, sua irritação e quem está perto, por reflexo, se irrita e sente raiva. Quando conseguimos controlar e perceber onde o afeto do outro nos bateu, conseguimos pelo menos nos afastar. Se não temos consciência de nós mesmos, uma discussão se inicia, estragando o dia de todos que estão perto. Cuidado com os excessos. Às vezes nos excedemos em falar quando deveríamos ficar quietos e absorver as coisas que se atravessaram dentro de nós. Dar tempo para perceber porque acordamos tão fixados no que está errado ou fora de lugar. Dar-se conta que se isso nos irrita tanto, talvez sejamos nós os errados e fora de contexto. Afinal, todo excesso carrega em si o início da destruição.
Conviver exige um esforço de todos para que possamos avançar pelos dias de modo mais equilibrado. Se as coisas estão dando errado é sempre pertinente voltar o olhar para si mesmo e questionar-se, afinal como já dizia Freud, quanto de você é responsável pelo caos em que vive?