A solidão é um vaso sem flores sobre a mesa. É uma janela sem cortinas ao vento. É uma pedrada na vidraça que estilhaça a ausência. Impossível não ver, não sentir. A solidão não tem a incandescência da raiva, nem é tão liquefeita quanto a tristeza. Também não tem a umidade da mágoa nem a brevidade da alegria. A solidão é carregada de borrões como se as fotos dos fatos do ontem, aos poucos, desaparecessem. A solidão dói no corpo. Dói no peito. Dói na garganta.
Às vezes achamos que a solidão existe porque estamos sozinhos, mas não é verdade. A solidão independe dos encontros. Talvez a solidão seja o próprio encontro com o vazio. Esse espaço assustador que habita em nós, do qual tentamos fugir, sempre. Como se o outro fosse capaz de preencher algo em nós. Algo que nós mesmos não conseguimos dar conta. Quantas vezes jogamos para cima dos outros as nossas angústias de não sabermos lidar com a nossa solidão? Manipulamos as pessoas que amamos fazendo-as sentirem-se culpadas por estarmos sós. Demandamos da conta de vida do outro o acerto de nossas dívidas.
No entanto, a experiência da solidão é também um presente. Ela nos ensina a sermos bons companheiros para nós mesmos. Ouça música, cozinhe algo gostoso para si mesmo, se leve para tomar um café, escreva o que sente e, principalmente, acolha todo vozerio enlouquecido que sua solidão traz. É preciso que você se ouça, ouça o que sua solidão está lhe dizendo há anos. Ouça-se sem reservas ou pré-julgamentos. Apenas deixe sua solidão gritar o que sente. Você se surpreenderá das coisas que vem arrastando uma vida inteira. Até que de repente, depois de esvaziar-se de si mesmo, o silêncio surgirá. Um silêncio azul como o céu em manhãs de domingo. Um silêncio tão limpo que te permitirá ouvir o ao redor. É no silêncio da solidão que ouvimos o mundo para além de nossos próprios umbigos e dores. É neste silêncio humano que a solidão boa nos causa, que nos faz pessoa.
O aprendizado da solidão carrega em si uma pedagogia da capacidade de suportar-se em solidão mesmo diante do outro. É um saber, que de certa forma, sempre estaremos sozinhos, porque há em cada um de nós um núcleo tão íntimo que nem mesmo nós conseguimos acessá-lo. Um núcleo que carrega em si um universo desconhecido e imenso e que muitas vezes nem no encontro analítico, ele é adentrado. Na verdade temos muito medo de descobrir quem somos ou de descobrir que talvez jamais consigamos saber realmente de nós, pois é na solidão que nos deparamos com esse outro eu-estranho. No entanto, é dentro dessa concha-solidão, silenciosa que acessamos a canção que somos.
E então, a solidão continuará sendo o vaso sem flores sobre a mesa, só que agora ele não precisa de flores para ser quem é, pois há uma beleza infindável no vaso vazio, por dentro dele habita um útero de possibilidades, que só nos damos conta quando aceitamos que ele é também o vazio.