Todo fracasso é uma segunda infância. Quando fracassamos, revisitamos nossos medos mais infantis. Somos jogados de volta para dentro de nosso quarto de criança, ouvindo atrás da porta a briga de nossos pais ou sentindo aquele abandono que por toda a vida nos acompanhará. Tudo ao redor se transforma em perigo. Nossa paranoia é ativada e, então, passamos a desconfiar de todos. Afirmamos que as pessoas não prestam, que não temos amigos, que ninguém nos compreende, que não nos dão chance de realmente mostrar como somos, porque acreditamos ser bons, mas as pessoas não conseguem perceber. Há uma dor real nisso tudo, mas há também uma ilusão sobre si. Olhando bem de perto, talvez possamos encontrar o medo, ali bem escondido atrás da raiva. Raiva de todo mundo. Raiva dos parentes, dos amigos, do trabalho, da política, do relacionamento, das pessoas, até dos cachorros de rua. Vivemos um redemoinho de pensamentos e sentimentos aflitos e quanto mais rodamos, mais nos fixamos em nossos pensamentos e ideias. Ficamos fixos naquilo que acreditamos. E quanto mais nos fixamos e nos tornamos rígidos, mais rodamos e rodamos. Que tontura-tortura.
Solte. Nenhum recomeço começa sem antes soltar daquilo que te prende. Solte. É preciso deixar que as coisas se vão sem que você tenha de ir junto. Solte a corda da mágoa daquele amor que partiu. Solte o laço que te prende à pessoa querida que morreu. Abra a boca da inveja que te morde tão dolorido e solte das coisas que não te pertencem. Solte as mãos dadas com a ilusão que tu mesmo criou sobre aquele alguém que, por ser humano, não é como tu deseja, mas sim como ele pode ser. Solte das lembranças do passado que só juntam pó nos cantos da vida.
Parece uma loucura soltar. E é. Uma loucura saudável. Uma loucura que te salva de enlouquecer de fato. Não conseguir soltar é o que chamamos, em psicanálise, de sintoma. Quando conseguimos olhar para o sintoma, vemos a corda que amarra a história. Nossa trama. Nosso drama. Reconhecer isso é começar o desatamento. Ao mesmo tempo aquilo que nos desespera, nos dá esperanças. É na perdição de si que nos encontramos. Não é mágica, muito menos autoajuda. Freud em O mal-estar na civilização, diz que não existe uma regra de ouro que se aplique a todos, mas toda pessoa, de certo modo, precisa encontrar por si mesma como deverá ser salva. Salva do que ou de quem?
O ano está (re)começando. Adentramos a casa de janeiro e ele nos convida a saltar. Recomeçar é saltar. Todo recomeço é um salto no abismo do desconhecido. Nunca saberemos o que iremos encontrar ao nos permitirmos dar um passo adiante. Mas é rasurando o perdido que novas páginas podem ser escritas. Saltar é a certeza de que nada nos prende ou impede o voo. Não nascemos pássaros, sabemos disso, mas que nada nos impeça de conhecermos outros céus de nós mesmos, outras auroras, outros tons que nos colorem com a certeza de que, o dia cresce aos poucos e morre no silêncio. Todos os dias.