Nada se aprende se não se desaprender, antes, algo. Respire, mesmo que haja sufocamento. Falta de espaço. Nervoso. Acalme. A respiração precisa de ternura consigo mesmo para acontecer. Precisa de entrega, de desconstrução. O que entra precisa sair. Modere o que entra e o que sai. Então solte o ar que está preso. O ar que te asfixia, que cobre todos os espaços. Na medida em que o ar sai pelas narinas uma pequena brecha se abre entre os pensamentos. Saia do automatismo. Respire, mas pare de respirar o que todos ao redor te dizem para respirar. Respire seu respiro. Aquele experimentado no primeiro contato com este mundo, quando do primeiro grito, da chegada. Para nascer de verdade é prerrogativa respirar. Mesmo que se faça o choro. Então chore. Nossas lágrimas formam rios que nos levam a algum lugar. Quiçá, dentro de nós mesmos. Quiçá, naqueles lugares que mais temos medo. Lá onde nos sabemos sós. Lá onde somos primordiais. O choro é um lugar de encontro. Nossa alma navega, por vezes, neste rio feito de pranto. E o choro nos traz de volta. Vamos onde devemos ir, voltamos para onde devemos estar. Voltamos mais nós. É preciso verter a água aprisionada em reservas para não nos afogar na própria dor. Então respiração e choro andam juntos. Desde o nosso nascimento.
Talvez seja hora de nascer de novo. Outra vez. E quantas vezes ainda sejam necessárias. Porque tudo é recomeço. Respirar é testemunhar o fato de estarmos vivos. Respire. Às vezes, até mesmo nossa respiração parece viciada. Não fazemos mais por nós, mas pelo modo que os outros nos exigem. Nos adaptamos a fala, a pessoa, ao seu modo de pensar e retemos nossa respiração, como se pisássemos em ovos. E dizemos que é por amor. Por amor dizemos sim para este outro que não nos enxerga e, não para nós mesmos. Cuidado. Toda respiração contida em expiração é um pequeno encontro com a morte. Sem medo, respire outra vez. Limpe os pulmões, das mágoas inclusive. Brinco com meus pacientes dizendo para eles que a mágoa é uma raiva que umedeceu. Às vezes atravessamos uma vida encharcados delas. Atravessamos as ruas. Almoçamos com elas. Dormimos com elas.
Quando não respiramos profundamente o ar se satura de excessos. A vida está cheia de excessos, principalmente de falta de ética. É preciso sentir o que nos diz esse ar ofegante carregado de pesos, cansado da subida. Mas o caminho que trilhamos foi o escolhido por nós mesmos? Respire-se. O quanto de você é responsável por esse ar tóxico?
Nos últimos tempos nosso ar está mais rarefeito. É difícil até de respirar. Viver com o outro que nos quer tirar até o ar, é trágico. Vivemos tempos sombrios e de ares pesados. Uma poluição de falas espalha-se. Há uma toxicidade no ar que nos aflige. Defende-se o indefensável. Minimiza-se o absoluto. Relativiza-se a maldade. Acalmar a respiração é voltar para um mar sem ondas. Esses dias que antecedem o logo ali me lembram um verso de Torga, poeta português, cuidado para não “matar a sede com água salgada” e sofrermos do que se poderia evitar. Respire.