Doa. Deixe doer. Não tenha medo. O modo como doemos diz quem somos. Precisamos reaprender a chorar, a não ter medo de chorar. A mostrar nossa dor, nos emocionar. A aceitar que somos frágeis e vulneráveis. Isso não é fraqueza. É preciso muita coragem para poder doer. Falo das dores da alma. Vivemos numa sociedade que nos exige estar feliz o tempo todo, sorrindo, celebrando. O tempo todo tudo bem. Nos esforçamos por esconder nossa tristeza, como se ficar triste fosse algo negativo. Há uma exigência de bem-estar constante, pensamentos positivos, felicidade e otimismo. Quase uma alienação de si.
Doer é subverter a lógica do desempenho. Nem sempre estamos dispostos, nos sentindo bem e, sim, às vezes precisamos acessar nossas dores, porque somente assim conseguimos perceber que somos pessoas e não máquinas. Não querer doer é um absurdo.
Vivemos também num tempo que não nos permite verbalizar a dor. Penso que para os homens isso é ainda mais difícil. Afinal, espera-se que o homem seja forte sempre. Esse gendramento de gênero que também atinge o masculino, faz homens sofrerem calados e se a dor não pode ser dita, o corpo tenta resolver. Assim, falar do infarto, da gastrite, da dor na coluna é um jeito possível de dizer de si sem correr riscos.
A dor nos mostra que não somos coisas. Ela salva da objetificação. Toda vida que se recusa a dor é uma vida que se coisifica cada vez mais. Estamos perdendo a capacidade de sentir. Basta olhar ao redor. Cada vez mais nos deparamos com a falta de empatia, de compaixão. Estamos incapacitados para nos colocar no lugar do outro. Estamos virando coisa. Somente quando tocamos nossa dor é que conseguimos compreender que o outro também dói e ser tocado em nossa dor mantém a vida viva.
Controlar a dor é uma forma de dominação. Lembro de meu avô, extremamente disciplinar, que me dizia para engolir a dor. Dizia que eu não deveria chorar. Hoje ouço no consultório meus pacientes dizendo que aprenderam com a vida e se tornaram calejados diante do sofrimento. Isso me dói profundamente. Ficar calejado da vida é endurecer. A dor não foi feita para nos endurecer. Pelo contrário, doemos para ficarmos mais macios. Mas para isso é preciso sentir. Sentir que somos pequenos diante da vida e da morte e que dar-se conta disso dói demais.
É preciso que possamos doer, porque a dor nos dá consciência. Se sabemos porque doemos podemos tentar mudar algo. Enquanto não doemos, não sofremos pelas coisas que vivemos, vemos ou presenciamos na sociedade, somos apáticos e provavelmente não faremos nada para mudar. Seja feliz é a nova forma de dominação. Por isso, doa sem medo de doer, porque é da dor que nasce a revolução.