Nos preocupamos muito sobre como faremos quando nos separarmos seja por decisão tomada ou imposta. Quando somos nós que decidimos partir, a tarefa embora dura, parece mais possível. Quando sofremos a despedida forçada, a história é outra e a dor, também.
De todo modo, perambulando entre os livros nos últimos dias, passei os olhos outra vez em Como viver juntos?, de Roland Barthes. Nele há um questionamento que deveria intrigar a todos nós, afinal, de quem somos contemporâneos? Uma pergunta severa, na medida em que nos joga para dentro do mesmo espaço e tempo em que todos circundamos. Uma visita rápida a qualquer site de notícias ou redes sociais e o encontro com o outro. O outro que, por vezes, cresceu no corpo e músculos mas segue desintegrado, feito uma criança imatura, insensível e sem identidade. Um sujeito onipotente e rígido, que não consegue aceitar uma posição contrária a sua. Empatia e compaixão, já afirmava Winnicott, são estágios de um profundo amadurecimento do sujeito para tornar-se pessoa. É quase um sonhar de um possível vir-a-ser. O fato é que vivemos hoje em meio a uma sociedade que produz e reproduz o que há de mais primitivo no ser humano. Estamos perdendo a capacidade de nos transformarmos em pessoas. A violência e a intolerância são reflexos desse (in)processo. O tempo que habitamos é também construído pelo social. A vida que levamos é uma moldura dos tempos que vivemos. E vivemos tempos difíceis. Há entre nós os sonhos e o passado. Desejos e fantasmas. O presente e a mentalidade arcaica. Talvez pior, os fatos e a negação de todo e qualquer conhecimento. Vivemos entre essas fissuras.
O problema é que nos familiarizamos rápido com isso tudo. Nossa velha capacidade adaptativa, já diria Darwin. Aceitamos o primitivo do outro, relativizamos os preconceitos, amenizamos as barbaridades. Esquecemos (alguns não sabem) mas somos filhos do discurso. Ou seres de linguagem, para ampliar o conceito. Isso tudo para dizer que, buenas, apesar de vivermos o mesmo tempo, nem todos somos contemporâneos. Alguns não saíram da idade média. Outros buscam a alienação como forma de sobrevivência. Muitos adoecem na tentativa de resolver a dor da alma pela dor do corpo. E nos damos conta de que viver juntos é muito mais complexo do que sobreviver a um distanciamento.
A história é o registro concreto de que inúmeros fatos, violências e descabimentos foram vistos com indiferença ou ignorados pelos “contemporâneos”. A dimensão do absurdo parece sempre chegar com atraso. De toda forma, acredito que uma meia dúzia ainda imagine outros (possíveis) tempos, com uma sociedade que alucine uma quimera que nos mantenha mais despertos. Pode ser uma utopia. Talvez nunca tenha sido tão urgente retornarmos às utopias, inclusive como forma de reparação ao estrago que os tempos atuais têm feito em nosso caráter. Mas para isso, é preciso nos tornarmos pessoas.