Olhar-se no espelho e perceber que nosso corpo muda é completamente assustador e desconcertante. Um corpo que engorda, mesmo que se faça dietas mirabolantes. Um corpo que envelhece, mesmo que se recorra a métodos que prometem desacelerar o processo. Nosso corpo, às vezes, não parece nosso corpo. Não conseguimos controlar o sono ou a insônia, nem quando dói, muito menos quando um olho decide pulsar ou, menos ainda, quando sem querer mordemos a própria boca. Esse nosso corpo que, sabe-se lá porque, tropeça em si mesmo e nos leva ao chão, nos machucando. Sinais dos mais variados que demonstram que, apesar de habitarmos esse espaço chamado corpo, ele, por vezes, parece independente de nós.
Não bastasse ter de lidar com essa angústia íntima de todo ser humano, para as mulheres a questão estética se sobrepõe violentamente. Quem das minhas leitoras nunca foi advertida de que talvez estivesse acima do peso? Que fazer uma dieta lhe “cairia” bem? Ou que talvez aumentar o tempo de academia nos faria ficar menos “flácidas”? Quem nunca ouviu a pergunta de alguém próximo durante um encontro ou festa de aniversário dizendo: “vai comer mais um docinho?” em tom recriminatório. Sem falar dos palpites de moda que vão desde “essa cor não combina com você” até o “aonde tu pensa que vai vestida assim”? O pior é que falar sobre isso soa como “reclamação” e se você resolve rebater escuta “mas eu só estou querendo ajudar”.
Trabalho em consultório há alguns anos e uma das coisas que mais me intriga é como essas questões que atravessam as mulheres no contexto cultural e social abalam seu psiquismo. Sim, se voltarmos ao início da psicanálise vamos encontrar Freud afirmando que as mulheres não poderiam desejar melhor destino do que o de se regozijar com a própria feminilidade. Assim, o desejo de toda mulher deveria ser o de casar e ter filhos. Mulheres que desejassem ser poetas, empresárias, políticas eram tidas como frias, neuróticas, masculinizadas e infelizes. É impressionante como esse discurso misógino, direto ou fatiado em camadas, permanece no imaginário social. O discurso parece antigo. E é. Mas ainda vigora com toda força, praticamente imbrochável. Sim, é preciso lembrar que o feminino sempre foi objeto de controle. Moldar o corpo e o comportamento da mulher é jogá-la de volta ao reduto da ordem do aprisionamento. Esse corpo feminino que precisa seguir padrões, ser jovem, bonito, magro arrasta enxurradas de nós para consultórios médicos e psicanalíticos. De um saímos com as mesmas bocas e falta de expressão (cuidar de si é maravilhoso, mas todo exagero carrega uma falta). No outro, nos deparamos com nossas impotências, medos, choramos, nos deprimimos e se se tiver coragem para enfrentar uma análise, conseguimos em algum momento, mandar às favas o outro e suas exigências e quem sabe aceitar quem somos e o corpo que temos.
Não há uma “adequação feminina” e nada disso precisa ser elaborado no divã, o que precisamos é ter coragem de dizer a esse outro que nos cobra estarmos fora de padrão, que não estamos aqui para satisfazer ninguém, lamento.