Foi a partir do século 18, principalmente, que se construiu um ideal de maternidade e a naturalização do sentimento materno. Badinter, nos lembra que durante do século 17, era uma prática muito comum e amplamente aceita que as mães entregassem seus filhos para amas de leite e cuidadoras. Posteriormente é que a criança passou a ocupar um lugar diferente, pois elas significavam mão de obra sem custos. Basta reler o período da história que trata sobre a Revolução Industrial para saber que as crianças trabalhavam lado a lado com os adultos numa carga horária superior a doze horas diárias. Paralelo a alta taxa de mortalidade infantil decorrente desta prática os governos iniciaram um trabalho de convencimento de que as mães biológicas deveriam amamentar seus bebês. E iniciou uma campanha que demandava os cuidados, a responsabilidade com a educação e a dedicação materna.
Adentramos o século 20 como as principais formadoras de caráter e personalidade de nossos filhos. Daí as angústias que permeiam os relatos ainda muito presentes sobre a responsabilidade pela felicidade ou infelicidade dos mesmos. A igreja se apropriou deste discurso poderoso e a própria psicanálise acentuará a responsabilidade das mães transformando o conceito em, também, culpa materna.
Se por um lado houve esse importante avanço no aspecto afetivo, fundamental para a constituição do sujeito, por outro, segundo a pesquisadora Valeska Zanello da UNB, houve um apogeu da promoção da imagem da mãe. Devotamento e sacrifício fizeram brilhar ainda mais a maternidade. Falar sobre esse assunto não é fácil, mas urgente. O que se vê ainda, em pleno século 21 é que algumas mães transformam o ideal de unidade mãe-filho(a) numa utopia de amor recíproco com muita dificuldade em aceitar a ambivalência.
Culturalmente entra em marcha uma associação ideológica das palavras amor e maternidade, não só pela importância dos sentimentos, mas da mulher enquanto mãe. Isso apenas reforça a construção de um modelo feminino ideal que condiciona as mulheres aos papéis de esposa e mãe. Esse poder constitutivo torna muito mais finas as camadas de domínio, por isso mesmo, mais efetivas. Mais eficaz que uma tática psicopolítica de reprimir, é a de criar o desejo de ser, conforme Foucault. Em miúdos, isso significa, a grosso modo, que sentir ambivalência com relação aos filhos, é crime, uma aberração que precisa ser evitada e disfarçada. Então, aos poucos nos damos conta de que gendramentos em rede são construídos a partir da cultura e do subjetivo.
Essa constelação de afetos que atingem às mulheres que são também mães e que por inúmeras vezes gera desconforto, precisa ser nomeada. É tentador generalizar os sentimentos e encobri-los, afinal, temos idealizado o papel de mãe nos últimos séculos. Mas ao fazermos isso damos mais um nó no já apertado laço que envolve a maternidade e o ser mulher. A poesia deste momento só surge quando entendemos e aceitamos que podemos ser apenas o possível.