A noite pode ter sido boa, mas não sabemos se foi o despertador, o travesseiro ou o barulho do ventilador, mas mal abrimos os olhos e já estamos irritados. E isso só aumenta com o passar dos minutos. Vamos ficando cada vez mais rabugentos e mal humorados. Nestes dias lembro sempre de Caio Fernando Abreu, há dias, dizia o mestre, que acordamos sem nada (ou para o nada). Nada de real nos acomete, mas há uma espécie de tudo que nos esmaga, assim como o sol de janeiro que chega queimando tudo. Não há uma solução feito lista de supermercado que se possa escrever num espaço como este de quase três mil caracteres, mas creio que um bom jeito de tentar acalmar a fera que despertou em nós às 7h e além do mau hálito e da cara feia sente vontade de comer o fígado de alguém (e coitado do primeiro que cruzar pela frente), é aceitar que há dias que não acordamos bem. Dias em que nos sentimos feios, chatos, irritados, com vontade de chorar, de não ir trabalhar, de não responder as mensagens de Whats, de cancelar a terapia, de não escovar os dentes nem pentear o cabelo e temos raiva de todas as fotos lindas que alguém postou no Instagram.
Sim, há dias descoloridos, sem graça, cheios de tédio que nos visitam e está tudo bem. Porque é uma ilusão achar que sempre estaremos felizes. Basta abrir o jornal, acessar o Twitter, ouvir o noticiário e em menos de cinco minutos seremos atravessados pela realidade bruta e cruel de estar vivendo. Depois, seria bom comentar com a pessoa que dormiu ao seu lado ou convive na mesma casa, que ontem à noite deitou-se um ser em busca de entendimento e hoje acordou um primitivo do período paleolítico. Sim, pois a linguagem se reduziu a grunhidos e balbucios.
Gosto muito desses dias, embora eles não sejam nada fáceis, nem para quem sofreu a transmutação noturna nem para quem acordou ao lado e não reconhece a faceta oculta do outro. Mas são dias em que nosso pequeno selvagem vem para fora, bate portas, o pé, mal dá bom dia. Nossa criança onipotente se manifesta e deseja algo que nem ela mesma imagina o que seria. É preciso rir nestes momentos. Rir é o melhor remédio, mas não um riso debochado. Não é para rir da pessoa, é para rir com a pessoa. Precisamos nos levar menos a sério. Freud dizia que o humor é um dom precioso e raro.
Eis o trágico da vida. Há dias que parecem carregar o peso de toda uma vida. Então é preciso respirar e conseguir rir de si mesmo e da situação ridícula em que nos colocamos. O que não deveria acontecer é despejarmos no outro nossas raivas. Caso contrário, perderemos a oportunidade de crescer enquanto seres humanos e deixaremos o arcaico nos dominar. Daí surgem as agressões e violências, as mágoas, a depressão, o inferno.