Adriana Antunes

Adriana Antunes

Escritora, Doutora em Letras e psicanalista. Gosta de falar com plantas e ouvir pessoas. Também habita a Casa do Caramujo, atelier de arte e cerâmica em Caxias do Sul, onde dá oficinas de como desacelerar a vida.

Opinião

Adriana Antunes: entre as folhas e os dias 2021

Que a palavra louca, polêmica e poética rompa a retina fina dessa sociedade cega e materialista e deixe a realidade e o imaginário vazarem

Adriana Antunes

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Sonhei, sonhou, sonhamos com um outro mundo, com um que nos pudesse acolher assim como somos. Sonhamos as tábuas, as pedras, os tijolos, as flores, o barro, a tinta, o papel. Sonhamos as cores, o fogo, os risos, as conversas, o processo criativo. Sonhamos resistindo neste ano de pandemia, de distanciamentos, de isolamentos, de silêncios impostos. Aproveitamos para sonhar ainda mais, para mergulhar na vida, para se autoconhecer, para saber do que somos feitas. Aproveitamos o tempo para fazer panelas, desenhar flores, aprender a cozinhar com aquilo que a natureza nos oferece no quintal e jardim da casa. Tudo por aqui cresceu. As lavandas encobriram o caminho de entrada, o pé de Cora Coralina está maior que a casa, o Baudelaire perfuma quase a rua toda, e as glicínias formaram um túnel de muitos metros. Como praticamente não recebemos ninguém durante este ano, a natureza aproveitou para ocupar os espaços. Estamos mais verdes do que nunca, oxalá assim continue.

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Neste dia primeiro de dezembro a Casa do Caramujo, nosso atelier, completa dois anos. Mas esta não é uma crônica para falar de nós, dos nossos verdes, do barro que vira cerâmica ou da tinta que borra o papel. Não foi um ano fácil e tenho certeza que toda comunidade cultural compartilha desta percepção. Muitos cortes no orçamento, uma desvalorização profunda e agressiva do setor e uma necessidade urgente de se reinventar foram algumas das causas que angustiaram a todos neste 2020. Muitos tiveram de abandonar suas essências e sonhos para poder sobreviver. Num ano de tantas ausências, quando nos encontrávamos pelas ruas, a conversa sempre era sobre as dificuldades enfrentadas. Ao mesmo tempo, um sentimento de solidariedade aumentou. O desejo de voltarmos a criar algo juntos, de redescobrir a força da cultura, da arte e dos artistas, parece ter ressurgido. Estamos voltando a (re)aprender que precisamos unir forças, conhecimentos, experiências e fazer da diversidade que nos representa nossa identidade.

Afinal, é a arte e a cultura que nos ensinam a ser e estar neste mundo. É a arte e a cultura que nos falam da finitude da vida e que o dinheiro sim é importante, mas não te salva da morte. É a arte e a cultura que te ajudam a sair do narcísico e perceber que existe o outro. É a arte e a cultura que resgatam o sentimento de comunidade, de identidade, constroem espaços de fala e representatividade, demonstrando que somos muitos, somos diferentes e sim, podemos viver bem entre nós, se aprendermos a respeitar mais e invejar menos.

Neste dia de aniversário do Caramujo desejamos a todos e todas que fazem da vida seu palco principal, ralam no dia a dia não só para pagar os boletos, mas para serem respeitados pelas escolhas que fizeram, possam ter a coragem de atravessarem esses desertos de intolerância e desconhecimento. Que a palavra louca, polêmica e poética rompa a retina fina dessa sociedade cega e materialista e deixe a realidade e o imaginário vazarem.

Sejamos verdilentxs!

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