Apesar do frio que aos poucos se aproxima, a natureza segue exuberante, aliás, as notícias têm dado conta de como ela tem respirado melhor sem nós. Aqui em casa as glicínias tomaram conta do jardim, espicharam seus galhos, invadiram outros espaços e crescem em seu ritmo constante. Aos poucos os passarinhos também estão aparecendo. Dias atrás um casal de corruíras buscava um lugar para fazer seu ninho. E como é que um pássaro constrói seu ninho se não tivesse em seu instinto a confiança no mundo? Foi nisso que pensei. Que paradoxo, acreditar num mundo tão desacreditado. Talvez se fôssemos como os pássaros inventaríamos um novo viver.
Construir um ninho é buscar refúgio, segurança, o espaço do lar. O lar deveria, obrigatoriamente, ser um lugar de cuidados, amor e acolhimento. Talvez aí resida a diferença entre habitar um lar e apenas viver sob um teto, que às vezes chamamos de casa. Gaston Bachelard, filósofo e poeta francês, escreveu sobre a filosofia do ninho, sobre como, quando éramos criança, ficávamos maravilhados ao ver um ninho de passarinho. Era uma admiração não desgastada. Descobrir um ninho hoje é voltar à casa da infância, a infância que todo mundo deveria ter tido, plena de imaginação, simbolismo e afeto.
O quintal da minha casa dá para as costas de um prédio. Ouço crianças o dia inteiro. Algumas brincam outras choram, mas nenhuma vê os passarinhos construindo ninhos. Fico refletindo sobre quais serão as lembranças desses pequenos daqui alguns anos. Ter um jardim, um quintal ou uma sacada cheia de verdes nos dá condições de reinventar memórias e prazeres, coisas que o virtual não consegue fazer. É claro que as palavras, assim como os lugares, nos oferecem seus lados e é aí que podemos recriar as alegrias.
Alegrias apesar do número imenso de pessoas que estão morrendo de covid-19, do desemprego em massa, do descaso dos governantes, da falta de empatia das pessoas, da ignorância exacerbada e aplaudida, do egoísmo e de tantas outras coisas ruins. Daí que observar um passarinho construindo seu ninho ensina a reimaginar a vida pelo prisma da sensibilidade. Nos vincular a natureza é perceber que somos tão importantes quanto um caramujo. E isso é um modo de ser feliz.
Essas magias miúdas como a do pássaro e seu ninho, nos fazem voltar a acreditar num invisível, naquilo que não é palpável ou explicável. Talvez isso seja o amor, um respeito imenso ao outro, seja ele um pássaro ou uma pessoa. Estamos tão carentes, tão doentes da falta da simplicidade das realidades complexas. Estamos tão alheios ao que realmente importa tão desiludidos e, de repente, um passarinho chega e desafia a olhar para o mundo de um jeito mais confiante. Será que um dia conseguiremos?