Adriana Antunes fez a contagem regressiva para 2017 entre panelas e poesia. Para não se distanciar do encanto – e desafio! – que assume a partir de hoje como titular da secretaria de Cultura de Caxias, optou por sabores e poemas.
– Eu não quero endurecer – diz ela que, na entrevista que segue, descreve sua nova função como o pincelar de uma aquarela multicor.
Qual a constatação sobre a secretaria a partir da experiência da transição ?
Primeiro, que a Cultura é enorme, tem muitas expressões. Foi uma apropriação de todas estas expressões e unidades e estrutura que compõe a secretaria. Tem muita atividade acontecendo. Foi uma apropriação disso tudo, de compreender como funciona a estrutura de cada uma desta unidades, quais são as ligações que elas mantêm entre si, a questão do próprio calendário de atividades, pois a gente já entra no ano com coisas acontecendo. Isso na parte artística. Na parte mais burocrática, tem todo um conhecimento sobre trâmites para que as coisas possam acontecer. E também do ponto de vista da arte e da cultura, de como transformar essa produção simbólica em política pública.
Quais são os maiores desafios constatados?
O financiamento, o financeiro. Vai ser um ano bem difícil para todo mundo, não só para a secretaria ou o governo que está entrando. Teremos que buscar, de forma criativa, lógica e racional, como vamos conseguir administrar algumas das situações que a gente tem, que acontecem, que a secretaria trabalha junto e terá que discutir junto. Será um processo de construção, de trabalhar com os servidores nisso. O contexto todo exige uma construção, uma integração de equipe na construção da Cultura e de uma secretaria, num momento que é diferente. São dois momentos bem importantes: a questão financeira, de manutenção e viabilização do que se tem para fazer, e essa construção que vai depender desse coletivo. O orçamento gira em torno de R$ 18 milhões, dividido entre folha de pagamento, gastos fixos e projetos.
Essa dificuldade financeira se alia ao anúncio de um enxugamento da máquina administrativa. Como trabalhar nesse contexto?
Conversando com as pessoas para que elas se integrem ao projeto. É aquela ideia de construção do coletivo. Nós vamos depender muito desse engajamento, dessa vontade de fazer e aí sim, pode entrar lá e, com esse mapeamento que a gente vem fazendo desde o início, poder olhar para o servidor e as pessoas que estão trabalhando, vendo possibilidades, para se agregar ao projeto. Não tem como ser diferente, pois o contexto não nos deixa fazer diferente. Tomara que esta crise não dure os próximos quatro anos para que a gente respire nesse processo, mas principalmente tudo vai depender desse coletivo, das pessoas que vão estar envolvidas.
Qual a marca que você pretende imprimir na Cultura?
Eu realmente sou muito apaixonada pela arte e pela cultura e gosto muito de conversar. E as conversas não são estanques. O diálogo é uma roda, ele é muito mais trabalhoso, inclusive, pois depende do movimento de um e do movimento do outro. Eu gosto muito de fazer isso. Eu gosto muito da ideia de se trabalhar com o coletivo. Eu gosto de ouvir as pessoas, saber as demandas e os desejos. São vários públicos. Tem o público interno, que é o servidor, e tem que ser bom para ele. Tem o público do artista, que precisa se sentir envolvido, engajado, disposto. A gente tem esse público que precisamos formar, que vai consumir esta cultura toda. E a gente tem esta grande comunidade. A mudança da comunidade se dá muito pela cultura e pela arte. Todo o resto é fundamental por uma questão de dignidade humana. Mas a mentalidade a gente só muda com a cultura e a arte. A conversa e o coletivo estarão muito presentes, sim.
Quais serão suas bandeiras?
Que todas as expressões artísticas tenham espaço, a dança, o teatro, a música, as artes visuais, a literatura, a arte popular. E que o nosso palco não seja só o dos lugares fechados, dos teatros. Nós temos uma cidade imensa, com lugares lindos, e poder trazer para próximo do público, das pessoas, aquilo que se está produzindo. São estes dois momentos que me chamam atenção e que eu quero muito trabalhar: esta possibilidade de dar espaço para todas as manifestações artísticas e poder levar isso para muito próximo da comunidade que se tem. E fazer, claro, o movimento contrário, pois a dialética é importante: trazer quem está mais distante para mais próximo.
Qual foi a demanda do prefeito Daniel Guerra para a secretaria e a secretária?
Que a gente esteja muito próximo da comunidade, das pessoas que, teórica ou metaforicamente, estejam da porta para fora da secretaria. Ou seja, criar relação com toda esta sociedade em que estamos inseridos. Por isso a ideia do coletivo, do diálogo, essa aproximação de fora para dentro e de dentro para fora, é fundamental.
Como pensar na Feira do Livro, que deu o que falar?
Tem um monte de ideias, ideias não faltam. Mas eu só consigo falar realmente com propriedade depois de estar lá dentro, compreender tudo, e ver o que é possível viabilizar ou não. Vou voltar para a questão do diálogo, a gente vai chamar todo mundo, sentar para conversar, ver como gente consegue fazer com que a Feira do Livro seja continue a ser realmente uma Feira do Livro.
Quem você quer ter na sua equipe de trabalho?
Pessoas engajadas e apaixonadas. Gosto muitíssimo da articulação. Esta é uma das experiências mais bacanas que estou tendo, de poder estar próxima de pessoas envolvidas e talentosas e dizer “você tem potencial, que bom que topa vir junto, estar perto”. Tanto as pessoas de fora que virão para a secretaria, quanto os próprios servidores. É gente muito envolvida mesmo, com vontade de fazer.
Como jornalista, escritora, artista e secretária vão interagir? Que momento é esse?
É um momento de me diluir. Quando se pinta uma aquarela você tem dois momentos. Um quando a tinta está pura e consistente, o momento em que você a dilui com água para que ela possa não ter mais a borda delineada. Acho fundamental não se delinear. Depois tem o momento em que essa tinta vai outra vez criar uma forma mais consistente. Eu me sinto assim, que nem uma tinta de aquarela. Tô indo para este papel que não é tão em branco assim... É um cargo público, tem muito trabalho em cima dele, que bom que a secretaria existe e tem toda uma história que precisa ser levada em consideração. Começo a escolher as tintas para me expressar. É um processo da escolha dessas tintas, de como as vou diluir, algumas vão diluir mais, algumas menos, mas depois elas começam a ir pro papel. Ao mesmo tempo em que estou fazendo este processo, preciso das outras cores juntas. É um momento de desafio, tive medo, tenho medo ainda. Gosto muito de uma frase da Clarice Lispector, que diz “Eu sou tímida, mas eu sou ousada”. Sou um pouco assim, quieta, tímida, ponderada, mas também sou ousada. Estar ali é um desafio de muitos sonhos, muitas possibilidades, principalmente de agregação. Eu me diluo nisso.
No que você gostaria de ousar na pasta?
É tanta coisa. São muitos desafios. Ousar no sentido de viabilizar projetos é fundamental. Não adianta ter boas ideias, pessoas maravilhosas, mas não conseguir viabilizá-las. Tem algumas coisas internas que a gente precisa repensar. Não posso prometer, pois isso não depende só de mim, mas seria importante ter concurso público para a cultura. Se as ruas fossem mais ocupadas seriam menos perigosas. Se a gente pudesse ter expressões de arte nas ruas a gente não só populariza a arte como humaniza essa cidade. Quero conversar muito com a comunidade artística para ver como a gente consegue viabilizar isso. E creio que isso não seja um desejo só meu, mas um desejo maior.
Como conjugar a gestão administrativa com a implementação das ideias?
Isso vem direto dos servidores. Até por questão de bom senso. Por mais que se tenha ideias, tem pessoas que estão lá dentro há 10, 15 anos, e conhecem todos os trâmites, as brechas, que conhecem toda a movimentação da secretaria. Além do diálogo, preciso de alguém que me fale de prazos, de encaminhamentos.