Toques indesejados, beijos e carícias não consentidas, abordagens verbais invasivas e constrangedoras: tudo isso pode caracterizar a importunação sexual, crime tipificado em 2018. Desde então, Passo Fundo registrou 215 denúncias formais do delito — número visto como subnotificado.
Conforme os dados da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP), em 2024 foram 19 registros. O ano de 2023 teve o maior número de denúncias na delegacia, com 50 boletins de ocorrência.
Previsto no artigo 215-A do Código Penal, o crime de importunação sexual pode ter pena de um a cinco anos de reclusão se o ato não constituir crime mais grave.
De acordo com a coordenadora do Projur Mulher e Diversidade, Josiane Petry, a orientação às vítimas é buscar a delegacia assim que identificar uma situação do tipo. No entanto, o desconhecimento sobre o crime contribui para a subnotificação dos casos.
— A falta de informação, o receio de culpabilização da vítima, vergonha e ainda a dificuldade de prova são fatores que causam a subnotificação. No entanto, cabe reforçar que os crimes contra liberdade e dignidade sexual não apresentam por regra fartura de provas, por isso o depoimento da vitima é tão importante e valorizado — disse.
"Virou algo normalizado", diz vítima
Um caso ocorrido em 25 de maio ganhou repercussão nas redes sociais no mês passado. Uma jovem de 18 anos denunciou um caso de importunação sexual de um homem em uma casa noturna de Passo Fundo.
Integrante de um grupo musical, ela relatou que o funcionário de um estabelecimento na Vila Rodrigues a agarrou depois de uma apresentação, obrigando-a a se esquivar de um beijo forçado. A Polícia Civil, através da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), informou que apura o caso.
Ao relatar o caso nas redes sociais, outras mulheres afirmam já ter enfrentado problema semelhante nos estabelecimentos da cidade.
— O nosso objetivo não é falar só sobre nosso caso, mas trazer o tema do assédio na noite de Passo Fundo, porque virou algo normalizado — relatou a artista vítima de importunação sexual, que pediu para não ter o nome divulgado.
De acordo com ela, a decisão de fazer a postagem veio depois que o proprietário do estabelecimento onde o crime aconteceu não tomou providências quanto ao ocorrido.
Situação recorrente
A reportagem conversou com outras duas jovens que relataram ter sofrido problema semelhante. Elas também preferiram não se identificar. Entre os relatos estão casos de homens que encostam, abraçam e se aproximam sem permissão.
— Teve uma vez que ele me abraçou e não me soltava, só soltou quando um amigo ajudou — contou uma delas.
— Praticamente em todos os shows sempre tem algum homem que vai chegar até mim e beijar meu rosto, pegar na minha cintura. Como mulher e membro de banda, é muito triste ter que passar por tudo isso. Eu gostaria de só poder expor a minha arte, trabalhar e cantar nos lugares sem ter que ficar o tempo todo preocupada — afirmou uma das entrevistadas.
Em outra situação, uma mulher relatou uma abordagem violenta em um estabelecimento da cidade (leia abaixo).
Caso a mulher tenha dúvidas quanto ao procedimento de denúncia, é possível buscar a orientação de entidades de proteção, como o Projur Mulher e Diversidade ou a Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
— Também é fundamental que os proprietários de casas noturnas busquem qualificação para os profissionais que ali trabalham a fim de evitar que seus estabelecimentos sejam cenário de crime, além de estabelecer um protocolo para acolhimento e atendimento às vítimas no momento em que há denúncia de violência — disse Josiane.
O Projur é um projeto de extensão da Universidade de Passo Fundo (UPF) que presta atendimento jurídico gratuito a mulheres em situação de violência. O contato pode ser feito pelo número (54) 3316-8576.