Os números oficiais da falta da figura paterna cresceram em Passo Fundo nos últimos anos. Desde 2020, os registros de nascimentos de crianças sem o nome do pai aumentaram 35,63%. O maior índice foi no ano passado, quando 118 recém-nascidos foram registrados somente com o nome da mãe.
Em 2024, os números até agosto chegam perto do total do ano passado: foram 113 nascimentos registrados sem pai na cidade, conforme levantamento do Portal da Transparência do Registro Civil.
Essa ausência parental segue um cenário visto em todo o Rio Grande do Sul. Mesmo com o número de nascimentos caindo cerca de 16% de 2016 a 2023, a quantia de crianças gaúchas sem o nome do pai na documentação cresceu 41,5% no período.
— Os cartórios estaduais vêm cumprindo com o seu papel de orientar sobre a importância do nome do pai no registro e a facilidade do procedimento, que pode ser realizado sem a necessidade de ação judicial, diretamente em Cartório. Porém, não tem sido suficiente para estancar este problema grave da sociedade gaúcha — disse a presidente da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais do Rio Grande do Sul (Arpen/RS), Sidnei Hofer Birmann.
Ausência traz problemas no desenvolvimento
A falta da figura paterna durante no desenvolvimento do ser humano, entre infância e adolescência, pode causar marcas para o resto da vida. Em casos mais agudos, tende a ocasionar em gatilhos para problemas mentais e emocionei, como avalia a mestre em Psicologia e especialista em terapia cognitivo-comportamental, Livia Garcez.
— É cientificamente comprovado que a parentalidade pode ser nociva com a ausência do pai. Ele tem papel primordial na criação, educação, demonstração de afeto, carinho, proteção e limites. Normalmente essa falta é suprida por outras figuras de autoridade, um padrasto, tio ou avô, que conseguem ocupar parcialmente esse papel — aponta.
Os primeiros sinais podem aparecer ainda na infância, quando a maturidade cognitiva ainda está em desenvolvimento. Ao conviverem em espaços como a escola é que se nota a diferença de quem possui o sobrenome ou presença da figura paterna no dia a dia.
— As crianças podem até não ter a consciência dessa falta, mas, com o decorrer do tempo e do processo de socialização, elas vão se dar conta não têm um pai. Dependendo da forma como isso é repassado, se ouvirem coisas como “teu pai não quis te assumir, te abandonou”, se cria o esquema mental de rejeição e abandono que pode levar a fatores negativos onde essa criança “aprende” que não é bem-vinda, e pode gerar problemas sérios — explica a psicóloga.
Ainda conforme a especialista, a raiz do problema para o abandono pode ser cultural, uma vez que a sociedade educa as mulheres para que sejam responsáveis pela criação do filho e jamais o abandonem, o que não acontece com os homens que se tornarão pais.
— Existe essa ideia de que a mulher tem deve criar o filho e o homem ser o provedor do sustento. A sociedade praticamente diz que eles “podem” abandonar um filho. Mas responsabilidade é dos dois, os pais precisam se responsabilizar pelo seu papel — pontua.
Quem escolheu ser pai
Na contramão dos dados, há exemplos de homens que escolheram ser pais mesmo que precisassem enfrentar a burocracia. No caso do microempresário Ladimir Anzolin, ele e a esposa Márcia optaram por entrar no processo de adoção.
Juntos há 27 anos, o casal decidiu que adotaria os filhos após um diagnóstico médico de que teriam que passar por fertilização se quisessem ser pais biológicos.
— Ser pai era o que faltava para completar a nossa família. Conversamos e sabíamos que íamos encontrar vários obstáculos, mas a gente resolveu enfrentar mesmo assim. Entramos no processo e fizemos os trâmites para formar a família linda que temos hoje — relembra Ladimir.
O processo de adoção durou pouco menos de um ano, uma vez que eles buscavam por crianças de até 10 anos, sem distinção de cor ou problemas de saúde, com abrangência em todo o país. A busca encerrou no Paraná, em 2019, adotando uma menina de então 10 anos, junto do irmão de 12.
Na paternidade, Ladimir conta que busca fazer o papel do pai conselheiro e acolhedor, sempre próximo para que os filhos sigam o melhor caminho.
— O mundo oferece muitos perigos e as amizades podem levar para o “bom e o mau caminho”. Então eu tô sempre orientando, perguntando tudo, chego até ser chato porque penso muito no bem deles. Sobre a adoção, tem pessoas que ficam com medo, inseguras, mas eu estou muito feliz. Ser pai é muito importante, a gente sempre está junto e unido pelo bem dos filhos.
— Foi muito emocionante quando chegamos para buscá-los pela primeira vez. O juiz havia prometido que acharia uma família que os cuidasse pro resto da vida, e nós chegamos. Hoje eles já cresceram e estão construindo o futuro deles — lembra Marcia.
Paternidade Socioafetiva
Para enfrentar o problema da ausência parental, leis brasileiras têm se tornado mais flexíveis além dos meios judiciais e de exames de DNA. Um exemplo é a possibilidade de paternidade socioafetiva, disponível no Brasil desde 2017.
Neste caso, basta reconhecer o vínculo socioafetivo desde que a criança seja maior de 12 anos e que haja concordância da mãe e o pai biológico.
Para atestar, é preciso suprir alguns critérios como inscrição do filho em plano de saúde ou órgão de previdência, registro de que residem na mesma casa, vínculo de casamento ou união estável com o ascendente biológico, entre outros.