Correção: no dia 16 de maio, será entregue a declaração de interesse social do Quilombo da Arvinha, e não a titularidade, como constava nesta reportagem entre as 05hmin e 13hmin desta quinta-feira (25). O texto já foi corrigido.
Uma cerimônia do governo federal marcada para 16 de maio vai declarar de interesse social as terras particulares onde está o Quilombo da Arvinha, um reconhecimento aguardado por décadas ao território localizado entre os municípios de Coxilha e Sertão, no norte gaúcho. Esse é um dos passos mais importantes para que o território de 388,7 hectares passe a pertencer oficialmente aos quilombolas, como são chamados os ocupantes de espaços fundados por pessoas escravizadas que fugiam do regime de violência imposto pela escravidão. Depois disso, o Incra poderá ajuizar as ações de desapropriação necessárias para entregar o título definitivo à comunidade.
A concessão do documento é a última etapa do processo de reforma agrária executado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Com mais de seis décadas vividas no local, Argeu de Souza, 67 anos, foi o escolhido para participar do evento na Praça dos Três Poderes, em Brasília.
— Estou muito contente. Muitos que começaram na luta já se foram, mas eu estou aqui, graças a Deus. O mais importante é o Incra dividir as áreas, indenizar as pessoas, vamos finalmente saber o que é da gente, acreditamos que vai dar tudo certo — diz Argeu, com expectativa.
Atualmente, 24 famílias vivem no quilombo, o que equivale a aproximadamente 70 pessoas. A estimativa de uma das lideranças quilombolas, Eva Daniela Lopes da Silva de Souza, é que o número salte para 700 moradores, já que muitos que deixaram o local poderão voltar — agora com espaço determinado para suas casas e plantações.
Presente às antigas e futuras gerações
Eva mora no quilombo há cerca de cinco anos e vê a titulação como um presente às antigas e futuras gerações. A luta se estende há pelo menos duas décadas, mas o quilombo existe há mais de 130 anos, desde que o território foi vendido a Cezarina Miranda, mulher escravizada, pelo coronel Francisco de Barros Miranda, no século 19 (leia a história abaixo).
— A titulação vem como um presente dessa luta para a comunidade. São 20 anos esperando isso acontecer. Agora, os laços, a história e a ancestralidade serão mantidos e repassados. Foi muito tempo correndo atrás, então a titulação reconhece essa luta, que é principalmente dos moradores idosos — afirma Eva.
Uma dessas moradoras é dona Maria de Fátima Vargas de Souza, 63 anos, bisneta de Cezarina. Segundo ela, o sentimento é de orgulho e também de esperança renovada, já que não acreditava mais que o reconhecimento viria.
— De repente veio essa notícia e deixou a gente muito feliz. A gente perdeu mãe, parentes que tinham expectativa, e agora não estão mais aqui. Nossa qualidade de vida vai melhorar, não vamos mais viver apertados — disse Maria de Fátima.
A história do Quilombo de Arvinha
De acordo com a professora Vanda Aparecida Fávero Pino, do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul) campus Passo Fundo, o quilombo tem origem em Cezarina Miranda, mulher escravizada que teve cinco filhos com o escravagista e dono das terras, coronel Francisco de Barros Miranda.
— Ele vendeu as terras a ela para criar e sustentar os filhos em 1889. Então a comunidade tem uma história, um passado, mas não é só isso. Há um presente e um futuro entre aquelas pessoas, que aguardam por esse reconhecimento — pontua a professora, que pesquisa os territórios quilombolas em terras do Sul do Brasil.
Além da oficialização da propriedade das terras, outro elemento importante é o cultural, explica a pesquisadora. Apesar de viverem na região, muitos gaúchos não têm sequer conhecimento da existência dos quilombos.
— Isso perpassa também uma mudança educacional. Quase ninguém sabe que Passo Fundo já foi uma cidade com 20% da população escravizada, por exemplo. Essa parte da história pouco é ensinada nas escolas, assim como o entendimento de que o uso das terras entre os quilombolas não é de exploração, existe ali uma relação de simbiose — acrescenta.
Próximo ao Quilombo da Arvinha, o Quilombo da Mormaça também aguarda a titulação das terras, mas ainda sem data para receber o documento. Apesar disso, os dois territórios foram reconhecidos como comunidades remanescentes de quilombos pela Fundação Cultural Palmares em 2004.