O plantio do trigo está na reta final em todo o RS: 98% da área estimada pela Emater já recebeu as sementes da cultura de inverno. Mas a falta de frio, ocasionada pelo fenômeno climático El Niño, preocupa: a chuva e as temperaturas mais altas podem atrapalhar o desenvolvimento do grão.
Segundo a Emater, nesta safra o trigo deve ocupar pouco mais de 1,5 milhão de hectares no Estado. O valor é apenas 1,5% menor que a área cultivada em 2022. A expectativa é que a produtividade chegue a 3 mil quilos por hectare – se tudo der certo, a segunda maior safra de trigo da história.
Os números são um alívio para os produtores, que esperam ter na cultura de inverno uma forma de compensar as perdas nas últimas safras de verão prejudicadas pela seca. Até agora, o desenvolvimento inicial do trigo na Região Noroeste é satisfatório, disse Fábio Pasqualotto, gerente regional da Emater.
— Em relação ao ano passado, nós temos uma expectativa melhor e produtividade um pouco maior. Em 2022, tivemos intempéries climáticas que reduziram a produtividade do trigo. Para este ano, a expectativa é boa em toda a nossa região — afirmou.
A expectativa é grande entre os agricultores. Moacir Magalhães Medeiros, presidente do Sindicato Rural de Cruz Alta, diz que o trigo se tornou a salvação para o caixa dos produtores rurais.
— A nossa parte de produzir nós estamos fazendo muito bem. Mas dependemos tanto do clima quanto da comercialização, que esperamos que melhore bastante — disse.
Alternativas ao El Niño
Quando há El Niño, as águas da região equatorial do Oceano Pacífico ficam mais quentes – até 0,5ºC acima da média. Esse aumento na temperatura altera a circulação dos ventos em vários níveis da atmosfera e muda a distribuição da umidade em diversas regiões do mundo.
No Brasil, o fenômeno deve aumentar o fluxo de ar quente úmido do norte para o Sul do país. Isso estimula a formação de áreas de instabilidade e aumenta as chances de causar enchentes e alagamentos no Rio Grande do Sul, em especial durante a primavera.
Uma previsão do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) apontou que o índice maior de chuva e temperaturas mais altas devem chegar primeiro no norte do RS a partir de agosto – ou seja, a partir da metade final do inverno.
Cultura sensível, o trigo se desenvolve melhor quando há temperaturas mais baixas e clima seco. Apesar do bom desenvolvimento inicial, o calor incomum para essa época do ano pode desencadear doenças na fase de florescimento e enchimento da cultura, quando há a maturação fisiológica dos grãos.
Além disso, o clima chuvoso — outra característica do El Niño — dificulta o controle na fase pré-colheita do trigo, como explicou Pasqualotto:
— O principal efeito do El Niño é que, se confirmar a elevação dos volumes de chuva em setembro e outubro, pode haver a entrada de doenças na cultura, o que dificulta o controle por causa das condições climáticas.
Além disso, o excesso de chuva no período da colheita influencia na redução do PH da cultura, o que desencadeia uma perda expressiva da qualidade do grão para a indústria. A consequência direta é a queda acentuada no preço das sacas.
— Em anos de El Niño já tivemos perdas significativas na Região Noroeste. Então essa é uma preocupação que os técnicos e produtores sempre têm — pontuou o diretor da Emater.
Agricultores já se preparam
Por isso, agricultores de Cruz Alta já se prepararam para enfrentar a mudança, como é o caso de Édio Damião Quaini. Ele cobriu o solo com nabo forrageiro, uma planta que ajuda o trigo a ter um bom desenvolvimento inicial. O produtor espera que isso ajude daqui para frente, mas mantém a preocupação sobre os efeitos do fenômeno climático na lavoura.
— A primavera vai ser chuvosa, muito chuvosa. A previsão é que o El Niño seja bem mais forte do que os outros, então sabemos que isso compromete a qualidade do produto — disse o produtor.
Mas, mesmo com o risco do El Niño, alguns produtores estão contando com a cultura de inverno para recuperar os prejuízos do verão. É o caso de Artemio Stefanelo Ciprandi. Ele semeou 300 hectares em 2023, 30% a mais que na safra passada, e está otimista.
— Tentamos otimizar o máximo total da nossa área com a cultura de inverno. Vamos apostar na produção de grãos, na produtividade. Estamos com um custo bem atrativo para esse ano, então acredito que vamos ter rentabilidade se tudo correr bem — disse.
O investimento tem como base a safra de 2022, que foi recorde, com quase 5,3 milhões de toneladas. Neste ano, a Emater estima uma redução de 14%, mas ainda alta: mais de 4,5 milhões de toneladas de trigo só no RS.
— O caixa está difícil, então as culturas de inverno vem para ajudar a pagar as contas e para viabilizar a próxima cultura de verão — pontuou Édio.