Milton Menezes é o presidente da ONG Amor, que já tem 12 anos de existência em Passo Fundo, no norte do Estado, e atende 200 pessoas a partir dos dois anos de idade até idosos. A organização conta com diversos projetos que visam acolher pessoas em vulnerabilidade social, a maioria crianças que participam gratuitamente de atividades no turno inverso ao da escola. Atualmente a entidade tem 760 famílias cadastradas que recebem cestas básicas, agasalhos e eletrodomésticos.
Essa seria mais uma história de alguém que faz o bem para os demais, mas a caminhada de Milton é incomum. Nascido no interior de Nonoai em 17 de janeiro de 1959, cresceu na roça, na comunidade de Barra da Foice, com os pais e os quatro irmãos. Aprendeu cedo a trabalhar duro, pois o sustento da família vinha do que plantava.
Muito cedo, aos seis anos de idade, começou sonhar em estudar e sabia que a possibilidade de melhorar de vida viria do estudo. A escola mais próxima ficava a oito quilômetros de onde morava, mesmo assim ele acordava cedo e precisava andar a pé para chegar ao destino.
— Eu dizia que ia ser engenheiro, que ia fazer obras e todos riam alto. Diziam que só poderia ser engenheiro de cana, pois ali tinha cana pra cortar.
Quando concluiu a 5ª série quis ir para Nonoai, pois só lá teria como concluir os estudos.
Para não ficar parado pediu para a professora para repetir o ano, até que pudesse convencer os pais a deixá-lo ir para a cidade. Por sorte ou destino, uma tia de sua mãe se mudou para a cidade e ele conseguiu ir morar com ela por um período, depois seguiu morando em outras casas de favor, ajudando na lida doméstica, até concluir o ginásio.
Mas o menino da roça não pensava em parar e sabia que teria de ir para outra cidade, ainda maior, concluir o 2º grau. Escolheu Passo Fundo e aos 16 anos, em 1975, chegou na cidade com uma mala pequena e a promessa de um conhecido da família, que arrumaria um lugar para ele dormir.
Milton sentiu que não teria o apoio que precisava e foi em busca de ajuda. Procurou a Câmara de Vereadores de Passo Fundo e o então vereador Miguel Lopes dos Santos se sensibilizou com a história de vida do menino interiorano, que não tinha trabalho e queria muito estudar.
— Eu chorei contando minha história e dizendo que queria trabalhar e estudar. Ele se sensibilizou com o que falei, disse que gostou de mim e que iria me ajudar. Me deu abrigo em sua casa, arrumou um emprego no Rio Hotel, que foi meu primeiro trabalho em Passo Fundo. Consegui fazer o segundo grau no Cecy Leite Costa. Nada foi por acaso na minha vida, sempre apareceu a pessoa certa na hora certa.
A vontade de estudar era tanta que ele não descansaria até fazer uma faculdade. Sempre espiritualizado, conta que a fé o moveu para novos caminhos e depois de muito estudo e trabalho ele finalmente conseguiu ingressar na faculdade de Engenharia Mecânica.
Antes de concluir os estudos fez uma promessa aos beatos Manuel e Adílio, jovens mártires consagrados e respeitados pela comunidade de Nonoai. Se tudo desse certo e conseguisse concluir a faculdade sem rodar em nenhuma matéria, Milton iria a pé de Passo Fundo a Nonoai. A formatura aconteceu em 1982 e em 1985 ele e o irmão mais novo, Ildo, caminharam por 140 quilômetros ao longo de dois dias, até o município.
Entre a formatura e a viagem Milton casou-se em 1983 e da união nasceu Kauê, que tem 36 anos e trabalha como jornalista em Porto Alegre. O casal se separou em 2007.
De menino criado na roça a professor universitário e perito
Depois da formatura os próximos anos que viriam dariam a Milton a chance de colocar em prática os ensinamentos da faculdade. Começou trabalhando em uma empresa de ar-condicionado e depois foi migrando para outras empresas na área de mecânica.
Em 1988 já tinha sua própria empresa de refrigeração, atuava como perito para a Justiça, quando necessitava de avaliação de equipamentos por engenheiro, e começou a lecionar como professor de Engenharia Mecânica na Universidade de Passo Fundo.
Considerado um homem bem-sucedido, tinha trabalho, uma sólida carreira até que em 2011, quando completaria 23 anos como professor universitário e 26 anos como perito, sua espiritualidade falou mais alto.
— Desde os anos 2000 eu comecei a me questionar, a buscar um novo sentido para minha vida. Sempre tive muita fé, conheci religiões e busquei na espiritualidade, as respostas para minhas perguntas. Sempre acreditei haver algo a mais na espiritualidade. Buscando isso eu me transformei, parei de comer carne, de beber e comecei a perceber que algumas coisas deixaram de combinar comigo, isso foi muito natural em mim.
Com a mudança interior, Milton começou contestar sentidos de sua vida:
— Comecei a questionar o mundo, a razão do acúmulo de bens, o porquê de trabalhar, para quem. Mas como tinha meu filho eu sabia que teria que trabalhar até ele se formar na faculdade e buscar seu caminho. E foi o que eu fiz. Me programei para em 2012 largar tudo, minha carreira, meus trabalhos e me dedicar a um bem maior, um propósito.
A criação da ONG Amor
Foi em janeiro de 2011, que Milton chama de “ano da virada”, que a Organização Não-Governamental chamada naquele momento de Agentes do Amor Divino, foi criada. Com o apoio da amiga Solange Dietrich e outros amigos que abraçaram seu ideal de vida.
— Eu fiz uma festa e convidei meus amigos para falar da intenção de criar uma ONG, que ainda não tinha objetivos claros, mas que seria para ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade social. Na metade de 2011 pedi demissão da UPF, viajei por três meses até o Japão e conheci 12 países. Na volta iniciei a caminhada na ONG.
Milton conta que doou todo o dinheiro que tinha em sua conta para a ONG, que foi instalada no bairro Fátima, onde está até hoje, em um terreno que pertence a ele.
— Troquei um apartamento pelo terreno para que a entidade pudesse ter seu espaço. Mudei para uma casinha que fica junto da sede e é onde resido. Eu acredito que todas as pessoas têm uma missão maior na vida, não estamos no mundo para acumular coisas, mas para contribuir para melhorar o mundo.
Atualmente a ONG Amor, atende gratuitamente cerca de 200 pessoas em situação de vulnerabilidade social, desde crianças com dois anos de idade, crianças, adolescentes e idosos.
O trabalho é feito de segunda-feira a sábado, dedicado ao atendimento à gestantes e a recém-nascidos, com orientações e cuidados ao bebê e à mãe, além de atividades no turno inverso da escola para crianças e adolescentes, capacitação para o trabalho para os jovens, oficinas de artesanato, dança, música, teatro, futsal, biblioteca, refeitório, sala de jogos, parquinho e ginásio.
— Com adolescentes fizemos visitas à empresas, conhecemos as rotinas administrativas, oferecemos oficinas de informática, atendimento ao cliente, preparamos eles para o mercado de trabalho. Também ministramos as aulas teóricas para mais de 20 jovens integrantes do projeto Menor Aprendiz.
Milton diz que no início não pensou em atender crianças, mas como a necessidade da comunidade de seu território era de ter um lugar para deixar os filhos ele compreendeu a necessidade e focou o trabalho em contribuir com as famílias.
O primeiro aluno
Bernardo dos Santos do Nascimento foi o primeiro aluno inscrito na ONG Amor, em 2012. Hoje, aos 18 anos, trabalha no setor administrativo da entidade, recebendo visitantes e auxiliando nos trabalhos.
— Agradeço muito à ONG pela oportunidade de ter feito parte das crianças atendidas e hoje poder estar aqui trabalhando.
A entidade sobrevive principalmente de doações da comunidade, e mantém alguns convênios com órgãos públicos como a prefeitura e convênio com o governo Federal, no caso das oficinas teóricas com os jovens do Programa Menor Aprendiz.
Doações podem ser em dinheiro, alimentos, material de higiene e limpeza, material escolar, móveis e eletrodomésticos. Quem quiser ajudar pode entrar em contato pelos telefones (54) 3313-6939 ou (54) 99982-7310. Para saber mais sobre o trabalho clique aqui.
GZH Passo Fundo
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