Violonista consagrado no mundo, vivendo em Portugal há três anos, o passo-fundense Yamandu Costa está na cidade para acompanhar a inauguração da escola de música que leva o nome dele. O evento ocorre nesta quinta-feira (16), às 9h, no Parque da Gare. Em entrevista à GZH Passo Fundo, o músico falou sobre o reconhecimento ao legado do pai, Algacir Costa, a partir do novo espaço.
O que representa para você ter uma escola de música com seu nome?
Esta escola é um legado de meu pai. A vida dele foi praticamente toda em Passo Fundo. Ele tinha uma ligação muito bonita com a cidade. Mesmo assim, eu jamais pensei que um dia se realizaria um projeto como esse. É emocionante, como se fosse uma energia que sobrou do meu pai. Esse momento tem muita coerência quando penso nele, porque a vida inteira ele ensinou sem ganhar nada, pelo amor à música, pelo sonho de melhorar o mundo através da música. Estar acontecendo isso é como se fosse um legado seu. Eu fico em estado de êxtase por estar participando disso com meu nome e torcendo para que seja algo que possa seguir. Meu pai faleceu em 1998, e isso tudo significa a memória dele e o legado, que foi muito mais que a carreira, foi a educação, o ensinar, que tem muito a ver com tudo isso. É o renascimento da história dele.
A escola é pública, abre espaço para alunos que, muitas vezes, não teriam condições de pagar por aulas de música. O que você pensa sobre isso?
Essa foi a razão pela qual aceitei este convite e emprestei meu nome para a escola. Essa característica de ser pública é fundamental especialmente por estarmos num país tão desigual como o Brasil, com essa aristocracia doida. Também pela experiência pessoal, eu nasci em meio a um caldeirão de música, que me deu tudo, exatamente por eu ter tido a sorte de ser criado nesse meio. Quantos talentos que não sabemos que existem e estão nas periferias do país? Esse projeto vai abrir possibilidades para descobrir muitos desses talentos.
Como você avalia o ensino da música sendo valorizado em uma cidade do interior?
Este movimento é importantíssimo, especialmente em Passo Fundo, que não tem um histórico de cultura, o povo é mais pragmático, trabalhador, não é muito ligado à questão cultural, assim como a maioria do interior do Brasil. Acontecer isso aqui é incrível. Acho corajosa a iniciativa do prefeito Pedro Almeida. Ele tem uma visão ampla da cultura e para colocar em prática um projeto assim, requer muita coragem.
Você nasceu em uma família de músicos. O que isso representou na sua história?
Nasci em Passo Fundo, em uma família de músicos, que tinha um grupo de música regional chamado Os Fronteiriços. Em 1982, meu pai resolveu abrir uma churrascaria para fazer concertos. O investimento foi desastroso e a família resolveu se mudar inteira para Porto Alegre em 1984. O grupo era muito famoso dentro da música regionalista, com uma característica de fazer vocais muito bonitos. Eles acreditaram que indo para a capital teria mais visibilidade, com programas de televisão, o movimento da época que estava em ascensão tinha explodido. Eu nasci no meio dessa loucura toda.
Mesmo morando em Porto Alegre, sua família vinha para Passo Fundo especialmente pelo afeto que seu pai tinha pela cidade?
Eu nunca mais voltei a viver na cidade, mas meu pai tinha um carinho enorme e sentia saudade de Passo Fundo, então vínhamos visitar parte da família que estava aqui. Meu pai foi muito importante para a cidade, ele recebeu e formou inúmeros músicos, um deles o Alegre Corrêa. (Alegre Corrêa teve aulas com Algacir Costa, pai de Yamandu. Corrêa é um guitarrista, violonista e percussionista, compositor e arranjador de música popular brasileira. Mora na Áustria).
Falando da sua carreira, Portugal foi uma escolha ou uma consequência?
Estava muito cansativo de ficar viajando, muitos trabalhos por lá, o mercado europeu estava abrindo e junto disso, nos últimos anos, o Brasil estava com a extrema direita no poder, esse azedume que se instaurou contra as artes e os artistas, tudo isso me assustou um pouco e eu não queria fazer parte da baixaria e resolvi me retirar. Minha carreira já estava me levando embora.
Seus filhos também foram morar no exterior?
Minha ex-mulher é de origem francesa, meus dois filhos, de 12 e 10 anos, têm passaporte francês. Ela buscava ampliar sua carreira pois é musicista. Foi uma oportunidade de criar as crianças em um lugar tranquilo e sem bolhas. No Brasil, ou você cria playboy ou favelado, isso é muito triste. Portugal é equilibrado, as crianças vão a pé para a escola e a vida é muito mais simples. O Brasil tem pretensão liberal muito estampada, as pessoas querem ganhar dinheiro para morar num condomínio fechado para ter guardas, empregados, com tudo cercado, isso é muito fora da realidade de uma vida normal, é incoerente no funcionamento da minha cabeça. Com 40 anos pensei que era momento de passar uma temporada de 15 ou 20 anos lá fora.
Você sente saudades de alguma coisa do Brasil estando fora desde 2019?
Não sou saudoso, não tenho cabeça de ficar com muita saudade, acho um sentimento bonito para letra de música. Você fica vivendo enquanto faz sonhos e ainda mais com saudade, fica com saudade de um sonho que nem aconteceu ou aconteceu e já passou. Não tenho tempo pra isso, quero viver, compor e criar meus meninos. Sou desgarrado desde pequeno. Eu tenho representatividade no meu país e agora na minha cidade com essa escola, então estarei sempre aqui. Do jeito que vai caminhando esta escola quero vir pelo menos duas vezes por ano para acompanhar o trabalho.
Yamandu Costa tem 43 anos, é um violonista e compositor brasileiro. Nasceu em Passo Fundo, viveu a maior parte da infância e da adolescência em Porto Alegre, depois seguiu sua carreira em capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro. Em dezembro de 2019, mudou-se definitivamente para Portugal.
Em 2021, venceu a categoria melhor álbum instrumental do Grammy Latino, com a obra Toquinho e Yamandu Costa – Bachianhinha.
Escola pública de música Yamandu Costa
A escola pública de música Yamandu Costa é uma iniciativa criada em parceria com o poder público que buscar trabalhar os talentos individuais dos estudantes do 6º ao 9º anos em instrumentos de cordas, cordas friccionadas, percussão e sopro.
GZH Passo Fundo
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