A história de uma cidade é carregada acontecimentos, crenças e lendas mantidas por seus moradores. Ao longo de seus 167 anos, Passo Fundo reconhece e mantém vivo alguns desses espaços até hoje, como o Chafariz da Mãe Preta, a República dos Coqueiros e a Tribuna da Boca Maldita.
Em comemoração ao mês de aniversário do município, GZH Passo Fundo relembra os fatos históricos por trás de três das principais crenças. Confira a seguir.
Chafariz da Mãe Preta
Lugar importante para a população afro-brasileira, o Chafariz da Mãe Preta carrega história material e imaterial. O espaço foi construído na década de 1860 e segue preservado no cruzamento entre as ruas Uruguai e Dez de Abril.
As lendas e narrativas em volta dele se transformam e carregam historicidades e pensamentos, como explica a coordenadora do Arquivo Histórico Regional (AHR), Gizele Zanotto:
— Há registros históricos de transformação dessa lenda. Tem uma possibilidade latente da comunidade afrodescendente ter ressignificado uma lenda indígena e vinculado ao local do chafariz. Isso se conformou na ideia de uma mãe, antes indígena, agora negra, que perde seu filho e chora muito, e ali resulta de uma fonte cuja água “quem beberá não deixará de voltar a sua terra”.
Eram as fontes do chafariz o principal local onde empregados e escravizados buscavam água para abastecer as casas antes do desenvolvimento da cidade. Com o aumento populacional e o saneamento básico, se tornou um centro de referência negra.
— Hoje é um dos pontos mais importantes da cidade da população negra porque se tornou um lugar onde eles ainda são visíveis como elementos estruturantes na base da formação do núcleo urbano da cidade — resume Zanotto.
República dos Coqueiros
A República dos Coqueiros nasceu da união de um seleto grupo de homens que começou a se reunir no centro da cidade para conversar sobre suas vidas. O lugar de encontro era o Bar Oásis, próximo à Catedral Metropolitana.
— É um lugar privilegiado e estratégico. Dali eles viam as famílias que iam à Catedral e todo o centro urbano, com bancos e cinema. E aquelas fofocas geraram esse grupo de amigos que existe até hoje: a “Confraria da Mesa 1” — comenta Zanotto.
Em homenagem ao grupo, o canteiro central da Avenida General Neto, próximo do Bar Oásis, foi nomeado como “República dos Coqueiros”, em referência as árvores que ali existe. Até os dias atuais, este continua sendo espaço de encontro entre grupos da cidade.
“Boca Maldita”
Entre os anos de 1970 e 1980, sociedades organizadas por intelectuais passaram a movimentar a cidade para a criação de um local aberto para liberdade de expressão — mesmo no período ditatorial. A inspiração veio da tribuna “Boca Maldita”, que já existia em Curitiba, como relembra a historiadora:
— Em 1982 se cria a “Sociedade Civil Boca Maldita”, e é feita uma pequena tribuna no canteiro da República dos Coqueiros, com um pequeno palco para fazer a livre expressão. A tribuna ganhou imediatamente o status de bem tombado e até hoje foi é a marca de um lugar que defende a livre expressão — disse a historiadora.
O local é aberto até os dias atuais, mas teve uma participação marcante nos anos de 1990 quando, em greves, um professor se alocou em greve de fome na luta por melhores condições de trabalho e ficou na memória coletiva.
De lá para cá, a lei municipal nº 3.078/1995 fez questão de permitir a livre expressão em alguns lugares de Passo Fundo, como a Boca Maldita, a Gare, o altar da Pátria e as praças do Teixeirinha e da Mãe Preta.