A volta de Donald Trump para a Casa Branca torna mais premente e indispensável que o governo federal apresente um pacote consistente de contenção de gastos para evitar a escalada da dívida pública. O republicano promete elevar tarifas de importação, o que tende a encarecer produtos. Anuncia ainda a deportação em massa de imigrantes ilegais, medida que vai diminuir a oferta de mão de obra dos EUA. São ações inflacionárias, que devem levar o banco central norte-americano a ter mais dificuldades ao longo do tempo para manter a trajetória de corte do juro. É uma conjuntura que afeta todo o mundo, inclusive o Brasil, onde os temores fiscais se acentuam.
As fragilidades domésticas, agora, são potencializadas pelas perspectivas projetadas para os Estados Unidos
A inflação volta a preocupar no Brasil e foi um dos fatores que levaram o Banco Central (BC) a decidir na quarta-feira elevar a Selic em 0,5 ponto percentual, para 11,25% ao ano, depois de uma alta de 0,25 na reunião anterior. Os compromissos de Trump têm o condão de valorizar o dólar ante outras moedas, como o real, que nas últimas semanas já enfrentou um processo forte de depreciação, chegando a R$ 5,87, maior cotação em quase quatro anos. É preciso deter a retroalimentação do ciclo interno de deterioração das contas, a elevação dos juros e do câmbio e a inflação pressionada. As fragilidades domésticas, agora, são potencializadas pelas perspectivas projetadas para os EUA. A lição de casa é decisiva para absorver também o impacto externo.
Não há mais como manter ilusões. Neste momento, só um pacote robusto, que ataque a alta de despesas de forma estrutural, pode dar a certeza de que o novo arcabouço fiscal, em vigor desde agosto de 2023, não enfrentará uma crise de credibilidade, com chances de desmoronar nos próximos anos. Entre as medidas avaliadas, estão a limitação do aumento dos gastos obrigatórios ao patamar de 2,5% da inflação, em sintonia com a regra fiscal, além de alterações no Fundeb, no abono salarial, no seguro-desemprego, no ProAgro e no seguro-defeso. Além de consistentes, as medidas precisam ser didaticamente explicadas. Esperava-se que fossem divulgadas nesta semana, mas ao que parece a divulgação foi adiada, à espera da costura por apoio político e institucional.
Mesmo a contragosto, parece que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva finalmente despertou do estado de negação e percebeu a gravidade do quadro. O Congresso, da mesma forma, deve compreender a seriedade da situação para discutir, aperfeiçoar o que for necessário e aprovar os textos enviados ao Legislativo na maior brevidade possível.
Se quisessem contribuir com o país, e não apenas defender seus interesses particulares e corporativos, deputados e senadores também moderariam o apetite por emendas parlamentares. O orçamento da União de 2025 prevê R$ 39 bilhões para emendas impositivas, mas o valor pode crescer para R$ 50 bilhões, levando-se em consideração as de comissões. Também não deve ser interditado o debate sobre a racionalização da renúncia fiscal. Os benefícios tributários para o próximo ano somam R$ 543 bilhões. Pode servir como inspiração o acordo que levou ao fim gradual da desoneração da folha de pagamento. Existem incentivos justificáveis, mas há outros que muito bem podem ser reanalisados.