Por José Antônio Daltoé Cezar, desembargador no TJ-RS
No ano de 2022, em razão da Lei 14.344, que determinou a realização do depoimento especial nas ações judiciais voltadas à definição de guarda que discuta alienação parental, o Conselho Nacional de Justiça criou um grupo de trabalho para propor um protocolo de escuta de crianças nos processos de família.
Esse GT, formado por profissionais de direito, psicologia e serviço social, teve como primeira tarefa, tendo presente que o depoimento especial começou no RS em 2003 e que foi inicialmente direcionado aos processos em que crianças foram vítimas de violência sexual, fazer um levantamento nacional de quantas salas para realização dessas escutas o Poder Judiciário já possuía instaladas, quantos técnicos já haviam sido capacitados para o depoimento especial, e quantos depoimentos estavam sendo realizados anualmente.
A situação é muito grave, está presente em todas as classes sociais, e está mais do que na hora de pensarmos sobre qual sociedade estamos construindo
Esse levantamento mostra dados positivos e negativos. Positiva é a informação de que 20 anos após a realização da primeira audiência em Porto Alegre, todos os Estados já possuem instaladas essas salas de escuta, totalizando 1.674. Também é positivo o dado de que, até 2023, 5.633 técnicos foram capacitados para esse trabalho. O Poder Judiciário está investindo muito nesse trabalho.
O dado negativo é que essas escutas de crianças vítimas ou testemunhas de violência sexual, somente no âmbito do Poder Judiciário, quando já existe denúncia criminal oferecida pelo Ministério Público, não param de crescer, ano após ano.
Dados parciais informam que de 2019 a 2023, 102.981 depoimentos foram realizados. Das informações coletadas, viu-se que apenas o RS coleta dados qualitativos dessas escutas.
Aqui, em 2023, 87% referiram-se a processos envolvendo abuso sexual, 93% dos acusados são homens, 83% das vítimas são mulheres, e essas, as vítimas, ao tempo do abuso, em 93% dos casos possuíam menos de 14 anos. A situação é muito grave, está presente em todas as classes sociais, e está mais do que na hora de pensarmos sobre qual sociedade estamos construindo.