É esperado que acusações de assédio sexual em que os envolvidos são figuras públicas, com posições de relevo, gerem grande repercussão. Assim vem sendo o episódio que implica o advogado Silvio Almeida, demitido do Ministério dos Direitos Humanos do governo Lula na sexta-feira, um dia após a publicação de reportagem denunciando o seu comportamento. Entre as vítimas estaria até a colega de Esplanada Anielle Franco, da pasta da Igualdade Racial. Em 2022, foi também rumorosa a queda do presidente da Caixa no governo Bolsonaro, Pedro Guimarães, que pediu demissão depois de funcionárias do banco revelarem o cerco a que eram submetidas. Guimarães é hoje réu por assédio sexual e moral.
Muitas vezes, a posição hierárquica superior do agressor e o receio de represálias levam a vítima a optar pelo silêncio
O ponto fulcral é que situações do gênero não são isoladas. Apenas de janeiro a agosto deste ano, a Controladoria-Geral da União (CGU) recebeu 557 denúncias de assédio sexual, número que engloba toda a estrutura do governo. Ou seja, dois casos por dia são comunicados formalmente. É fácil inferir que o problema é muito maior. Por certo há incontáveis casos de constrangimento também nas demais estruturas públicas, estaduais e municipais, assim como nos ambientes acadêmicos e em empresas privadas. Muitas vezes, a posição hierárquica superior do agressor, o receio de represálias e a dificuldade de provar levam a vítima a optar pelo silêncio. Assédio sexual é crime.
O caso envolvendo Silvio Almeida, pela enorme reverberação, traz a oportunidade de revisitar a questão. Cabe ao poder público em todas as esferas e às companhias privadas disporem de canais de denúncia e protocolos adequados para tratar de episódios semelhantes, além de possibilitarem acolhimento, escuta e proteção às vítimas. As regras escritas precisam ser seguidas e gerar consequências, servindo de exemplo. Deve-se deixar claro, também, que o ambiente de trabalho ou de estudos tem valores que não toleram a cultura do assédio e o machismo. A melhor forma de combater comportamentos impertinentes e ofensivos é educar e deixar clara, desde o princípio, a importância do respeito.
No caso envolvendo Almeida, ainda deve ser mais bem explicada pelo governo federal a demora para tomar providências adequadas devido às informações de que já eram de conhecimento interno, há cerca de um ano, os supostos atos inconvenientes do então ministro. Espera-se que agora as investigações sigam o curso normal, com garantia de ampla defesa de Almeida.
No Brasil, as mulheres já enfrentam preconceito e disparidade no mercado de trabalho, a despeito de leis que tentam assegurar remuneração equânime. O IBGE mostrou neste ano que, na média, o salário feminino para uma mesma função é 17% inferior ao dos homens. O assédio, quando envolve hierarquia, não é apenas uma violência. Torna-se um limitador para a trajetória profissional e acadêmica das mulheres, capaz de prejudicá-las na carreira. Ao mesmo tempo, fere a dignidade e gera traumas. Não pode, portanto, ser uma cultura normalizada ou ter casos acobertados. Deve ser uma prática desencorajada e combatida com coragem.