A visão distópica da fumaça que toma conta de grande parte do território nacional, resultado de uma temporada de queimadas sem precedentes no país, precisa ser encarada como um alerta definitivo a autoridades públicas, lideranças da sociedade e população de que se está diante de uma situação-limite. Tardam demais ações efetivas para combater a degradação ambiental, mitigar as consequências das mudanças climáticas e de adaptação aos eventos extremos que se repetirão.
A conta da inação e da cumplicidade com a destruição da natureza começa a ser apresentada, e quem paga é a população
O Brasil vive, em 2024, dias sem paralelo, com uma enchente de proporções inéditas no Rio Grande do Sul e a maior seca já observada desde o início dos registros oficiais. Se esses dois acontecimentos não forem suficientes para um despertar em relação à gravidade do quadro e à urgência em agir, crescem as chances de os piores cenários traçados pela ciência se confirmarem, e pior, antes do esperado.
É insuficiente não ser negacionista. Boas intenções não bastam se o que é dito e defendido se limita ao discurso. Mesmo reconhecendo-se que o governo federal conseguiu diminuir o desmatamento na Amazônia, o desflorestamento segue, e o combate aos incêndios falha miseravelmente. As queimadas são favorecidas pelas altas temperaturas e pela falta de chuva. Mas a origem da maioria dos focos, tudo indica, é criminosa. É necessário dispor de mais brigadistas, um número maior de equipamentos, e investigar e punir os responsáveis por fazer os brasileiros, de Norte a Sul, sufocarem no ar insalubre tomado por fumaça e fuligem.
Diante da reiteração de queimadas e enchentes, já deveria estar formalizada e operacional uma estrutura à semelhança da Força Nacional de Segurança Pública, com equipes e estrutura disponibilizada também pelos Estados para pronta resposta a tragédias climáticas. Algo como o apoio que ocorreu ao RS, com a ajuda federal e das demais unidades da federação, e em linha com a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flavio Dino, na terça-feira, determinando a mobilização de equipes e meios materiais de governos estaduais que neste momento não enfrentam o fogo em seus territórios. Nenhum Estado, mesmo com o auxílio de Ibama, ICMBio e Forças Armadas, tem condições de fazer frente a emergências como essas.
Diante de uma situação que parece fora de controle, o presidente Luiz Inácio Lula Silva, em viagem ao norte do país, anunciou, também na terça-feira, a criação de uma Autoridade Climática, estrutura voltada a combater as consequências do aquecimento global. Levar a cabo esta iniciativa agora é apenas a confirmação da demora do governo federal em agir. A Autoridade Climática é uma promessa de campanha de Lula descumprida. Em parte, também pela oposição à ideia no Congresso. O parlamento, aliás, vive em um mundo à parte. Enquanto o país arde, os representantes do povo parecem dar importância apenas à sucessão na Câmara e no Senado e despendem energia em pautas despropositadas, como a anistia aos envolvidos nos atos golpistas do 8 de janeiro. Quando tratam de temas ambientais, em regra, é para afrouxar normas de proteção e desidratar medidas para preservar os biomas. A conta da inação e da cumplicidade com a destruição da natureza começa a ser apresentada, e quem paga é a população.