Por Liliana Cardoso, secretária municipal de Cultura e Economia Criativa de Porto Alegre
A enchente de maio desafiou-nos a lidar melhor com as pessoas. A tristeza do desastre foi acompanhada pela bravura e pela solidariedade dos gaúchos. Neste momento, em que a tragédia ainda nos é tão recente, faz-se necessário rememorar o papel que a cultura exerce no processo de assimilação e reflexão sobre os fatos na vida de cada um de nós.
É assim que, passada a tormenta, refletimos sobre a vulnerabilidade humana diante da força da natureza
Durante quase 30 dias, a Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (SMCEC) coordenou o abrigo humanitário instalado no Centro Vida Humanístico – espaço cedido pelo governo do Estado –, onde cerca de mil pessoas inicialmente se alocaram. Em cooperação com os Cozinheiros do Bem e com a entidade Adra, além de inúmeras entidades públicas e privadas que prestaram serviços humanitários, a SMCEC fez questão de fomentar atividades culturais com os desabrigados, privilegiando atividades lúdicas com as crianças. Apresentação de escola de samba, batalha de hip hop e até uma sala de cinema foram algumas ações culturais ocorridas naquele espaço, onde o sopro artístico da esperança substituiu a tristeza.
“Quem menos gera conflitos são os abrigados”, disse eu, muitas vezes, em reuniões nas quais os colaboradores daquela verdadeira missão humanitária discutiam – e algumas vezes divergiam – sobre as decisões a serem tomadas no âmbito doméstico daquele ambiente. Prevaleceu o bem-estar daquelas pessoas que perderam quase todos os seus bens, mas mantiveram-se capazes de conviver coletivamente sem maiores problemas uns com os outros. Os momentos de arte e cultura – alocados às vezes perto dos colchões onde as famílias estavam – eram válvulas de escape emocional, contribuindo com a saúde mental das pessoas apartadas de suas casas, mas serenas e resilientes diante disso.
É assim que, passada a tormenta, refletimos sobre a vulnerabilidade humana diante da força da natureza, mas também sobre a fortaleza emocional das pessoas em momentos difíceis. Pois como já diria Jayme Caetano Braun: “por mais longe que o homem vá, jamais sairá de si”.