Por Fabio Brun Goldschmidt, advogado tributarista
Uma das críticas que vêm sendo feitas à reforma tributária em votação no Congresso é a de que até agora não foram apresentados estudos sobre seu impacto na carga tributária. O governo insiste no discurso de que a proposta é neutra do ponto de vista fiscal, chegando ao ponto de inserir na própria Constituição a garantia de neutralidade. Mas os números não são revelados, apesar de a própria emenda alçar a transparência à condição de princípio constitucional, que já nasce arranhado.
Eis que o governo agora libera o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2024, onde se lê um dado alarmante: previsão de aumento de arrecadação (receita líquida) de R$ 282 bilhões para o ano que vem. Trata-se da maior arrecadação dos últimos 14 anos, 15% superior a 2023. E o que chama atenção não é apenas o tamanho do aumento, mas o fato de que esteja previsto já para 2024, sabendo-se que a reforma, se aprovada, somente terá efeito a partir de 2026. Ou seja, o acréscimo virá de outras fontes. E se sobreporá aos efeitos da reforma.
É estarrecedor ouvir a afirmação reiterada do governo de que estão mudando o quórum de julgamento para vencer mais disputas
Desde que foi substituído o sistema de teto de gastos – em que o aumento de gastos públicos deveria se pautar pelo aumento da inflação – pelo novo arcabouço fiscal – em que o aumento dos gastos públicos fica atrelado ao aumento da arrecadação –, criou-se um perverso estímulo ao acréscimo da carga tributária. Em vez de termos um sistema de controle de gastos e carga, o que seria ótimo, a nova regra é o cachorro correndo atrás do próprio rabo: aumenta-se a carga para se poder gastar mais, em um círculo vicioso.
Um dos elementos que o governo anuncia como nova fonte de arrecadação é a mudança do critério de julgamento administrativo do Carf, com a volta do voto duplo em favor da Fazenda nacional em caso de empate. É estarrecedor ouvir a afirmação reiterada do governo de que estão mudando o quórum de julgamento para vencer mais disputas. Fico imaginando a gritaria que ocorreria se isso ocorresse no Judiciário, dada a flagrante inconstitucionalidade. E, obviamente, o fato de o julgamento ser administrativo – e não judicial – não é desculpa para que seja injusto/tendencioso. Há de ganhar quem tem maioria, nem que para isso tenha que se tornar ímpar a composição das turmas. Resta saber se para o STF a alteração da norma movida por objetivos declaradamente não republicanos constitui desvio de poder. Afinal, pode isso, Arnaldo?