Por Anthony Ling, arquiteto e urbanista, editor do Caos Planejado, plataforma digital sobre cidades
O último Censo mostrou um aumento de quase 90% nos domicílios vagos no país. Isso significa cerca de 11 milhões de domicílios, em torno de 12% do total. Em Porto Alegre, esta vacância dobrou, saindo de 7% para 14%. Com dados recentes, os motivos para tal aumento ainda são inconclusivos.
Mesmo assim, sempre que é divulgado o número de domicílios vazios surgem associações ao déficit habitacional. No último Censo, Porto Alegre apareceu com 101.013 domicílios vagos, enquanto o déficit da nossa Região Metropolitana seria de 90.585 em 2019. O problema habitacional seria resolvido ocupando domicílios vagos. A realidade é mais complexa. Toda cidade possui uma vacância “natural”: sempre há imóveis em reformas, em inventário, à venda ou para aluguel.
Especialistas convergem para um valor em torno de 5% dos domicílios. Mas a média das grandes metrópoles brasileiras nunca baixou de 8%, recorde registrado em 2010. Porto Alegre chama atenção por ter saído de um patamar inferior a outras cidades para estar acima da média em domicílios vagos. O que pode ter gerado este descolamento? Alguns sugerem o capital especulativo global: Porto Alegre sofreria efeito semelhante a Londres e Nova York, onde investidores de países como Rússia e China comprariam imóveis como reserva de valor em uma jurisdição mais segura. Mas não há evidência que isso está acontecendo em Porto Alegre, que não tem a mesma capacidade de atrair capital que grandes cidades de países desenvolvidos.
Sempre que o número de domicílios vazios é divulgado surgem associações ao déficit habitacional
Neste caso, renunciar à renda da ocupação é sempre pior para quem investe. Que outra hipótese poderia ser considerada? Uma possibilidade, ventilada pelo presidente do IBGE em entrevista a este jornal, é a migração para locais de veraneio, que poderia explicar parte do aumento da vacância em Porto Alegre. Afinal, a medição do Censo foi feita em plena pandemia. Enquanto isso, na Capital, lançamentos residenciais continuam sendo preenchidos por moradores, uma busca por novas localidades e produtos imobiliários. Aqui, o maior risco da vacância é para quem investe: se novos domicílios ficarem vazios, o retorno não pagará o investimento, preços devem cair e lançamentos serão reduzidos, contribuindo para nova redução da vacância. Assim funciona a ordem espontânea dos mercados.