Por Simone Padilha, advogada e doutoranda em Direito Constitucional
Júlio César, o imperador, mentiu que a esposa era adúltera para com outra viver. Daí surgiu a célere frase: "À mulher de César, não basta ser honesta, tem que parecer ser". Dizer que bem ilustra o fato que, de nós, sempre é esperado algo. E quando não performamos conforme se projeta, nos sobram "punições". Antigamente, se consideradas bruxas, éramos execradas, humilhadas e mortas em fogueiras. E hoje, o que fazem conosco? Tenho me sentido cada vez menos adequada a ambientes preponderantemente femininos. Converso menos e o pouco que ainda falo, arrependo-me com frequência.
Se pode combater fogo com fogo, afogá-lo, ou sufocá-lo. Porém, dissuadir mulheres que falam mal de outras mulheres é muito mais difícil que apagar qualquer incêndio
Não, esta crônica não é um protesto contra os homens. Pelo contrário, é sobre nós que, cada dia mais, nos vemos envenenadas, julgando outras mulheres, ferindo-as com punhais mais afiados do que as armas dos guerreiros mongóis. Que sofremos com a ditadura da beleza, que não possuímos o direito de envelhecer... Que somos exigidas a esconder os sinais do tempo, que não podemos ser gordas, nem magras demais, que devemos estar maquiadas e bem vestidas. Cobranças vindas, sobretudo, de outras mulheres. Como eu não percebi a sutileza dessa infeliz exigência antes? Talvez pelo fato de ter tido, pouco tempo atrás — aos vinte e poucos anos e com uma dose extra de colágeno — a coragem e autoconfiança de uma fênix, na quantidade que só a juventude nos dá.
Entretanto, agora, do alto de meus quase 50 anos, tenho notado, com clareza, ambientes femininos sexistas e adjetivações misóginas que nos julgam e aniquilam. Que fazem com que muitas permaneçam silenciosas e cordatas para evitar as fogueiras (ora simbólicas) e o escárnio público. E a tal "sororidade"? Palavra pomposa... Um embrião ainda não biopsiado, mas, com certeza, repleto de anomalias complexas, assim como as relações humanas em sua nua desumanidade. Se pode combater fogo com fogo, afogá-lo, ou sufocá-lo. Porém, dissuadir mulheres que falam mal de outras mulheres é muito mais difícil que apagar qualquer incêndio.